09/03/2005 - 10:00
A persistência de um advogado carioca poderá comprometer os planos do prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL), de vir a disputar as eleições presidenciais de 2006. O órgão especial do Colégio de Procuradores do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro decidiu, na semana passada, julgar o pedido de desarquivamento de um processo criminal em que o prefeito é denunciado por peculato e malversação de dinheiro público. O caso data de 1985, quando Cesar Maia era secretário de Fazenda no primeiro governo Leonel Brizola e se envolveu na compra superfaturada de terrenos no município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, que seriam destinados à construção de habitações populares.
Inconformado com o parecer que determinou o arquivamento do inquérito policial, o advogado Luiz Eduardo Salles Nobre, que acompanha o imbróglio há 20 anos, ingressou com um pedido junto ao procurador-geral de Justiça para que o caso nº 5982/01, da Assessoria de Investigações Penais do MP fluminense, fosse examinado com o máximo de urgência, uma vez que prescreverá em 30 de junho próximo. “Tendo em vista que o caso em tela é gravíssimo e envolve o atual Prefeito do Município do Rio de Janeiro em acusação de peculato (…)”, argumentou o advogado na petição. Existe ainda em andamento uma ação pública, também movida por Salles Nobre, que reivindica a devolução aos cofres públicos de mais de R$ 40 milhões (valores já atualizados), que foram gastos para a compra das áreas de Nova Iguaçu. Cesar Maia nega as acusações, mas as provas colhidas durante as investigações indicam sua participação no processo de aquisição das terras, juntamente com outros secretários estaduais e funcionários da administração Brizola.
O inquérito do Ministério Público foi arquivado em 10 de outubro de 2001, porque o então procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, José Muñoz Piñero Filho, entendeu que ele havia prescrito após mais de 16 anos da data da operação imobiliária (1985). Segundo Salles Nobre, Muñoz Filho ignorou o previsto no
artigo 327 parágrafo 2º do Código Penal que aumenta em um terço as penas dos crimes de peculato (que podem chegar a 12 anos de cadeia), forçando a prescrição para 20 anos, ou seja: o prazo só terminaria em 30 de junho de 2005. “O erro tem que ser revisto e, nesse caso, o desarquivamento tem que ocorrer com o subsequente oferecimento da denúncia contra os acusados, cuja materialidade está sobejamente comprovada pelas provas reunidas durante as investigações”, esclarece o advogado.
Pirambeira – Em 1985, a Companhia Estadual de Habitação (Cehab) adquiriu uma área de 11.389.997,20 m2, no município de Nova Iguaçu, denominada Gleba Modesto Leal e composta pelas fazendas Dona Eugênia e São Felipe, por preço superior ao do mercado, segundo o MP fluminense. Foram Cr$ 18.896 bilhões, sendo dados em pagamento Cr$ 9.448 bilhões em Obrigações Reajustáveis do Tesouro do Rio de Janeiro (ORTRJ) e o restante em imóveis que foram comprados do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj) na mesma data, apesar da existência de um laudo elaborado pela Bolsa de Imóveis do Rio de Janeiro (Birj), a pedido do próprio banco, atribuindo às terras de Nova Iguaçu o valor de Cr$ 300 milhões, com diversas restrições quanto ao seu aproveitamento.
Tratava-se, na realidade de área de preservação ambiental, com matas e trechos em grandes declives, que dificultariam a construção de conjuntos populares. O laudo da Birj informava, inclusive, que a Gleba Modesto Leal integra a Zona Turística Ecológica ZT-2 em consonância com a Lei nº 50, de 30/12/75, que dispõe sobre o uso e ocupação do solo em Nova Iguaçu.
Ali, pretendia-se, supostamente, implantar o programa “Um Lote para cada Família”, e a solicitação para a compra das áreas partiu do então secretário estadual de Trabalho e Habitação, Carlos Alberto de Oliveira, o Caó, ao governador Brizola que a autorizou dois dias depois, ou seja, em 20 de janeiro de 1985. Segundo o Inquérito Policial 171/87 da Delegacia de Defraudações, “teria o então secretário estadual de Fazenda, Cesar Epitácio Maia, participado das negociações para a aquisição do imóvel, promovendo reuniões entre os interessados, na companhia do então secretário estadual de Trabalho e Habitação, Caó”.
Em decorrência dos fatos, a Câmara Municipal de Nova Iguaçu instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que concluiu em 20/9/86 pela remessa dos autos ao Poder Judiciário, “para instauração de ação penal competente, uma vez que existem fortes indícios de “negociata” com o envolvimento da Cehab, do Banerj e das secretarias estaduais de Habitação e de Fazenda”. A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) criou também uma CPI que deliberou igualmente por remeter os autos ao Judiciário para “anular as escrituras de compra e venda dos imóveis, com ressarcimento das OTRJ aos cofres públicos e a consequente instauração de inquérito criminal”.
Foram, de fato, instaurados os inquéritos policiais 171/87, na Delegacia de Defraudações, e 643/86, na 52ª D.P., que tiveram tramitação regular na Justiça até 11 de dezembro de 1989, quando então foram remetidos à Procuradoria Geral da República, em Brasília, em razão de Cesar Maia e Caó terem sido eleitos deputados federais, passando a gozar de foro especial. Remetidos ao Ministério Público federal em 11 de dezembro de 1989, lá permaneceram engavetados até 23 de julho de 2001.