A CPI do Narcotráfico, em contagem regressiva para encerrar seus trabalhos, já abriu a rede para pegar um peixe grande – talvez o maior de sua pescaria no mar de lama nacional. Chegou a hora e a vez do deputado Augusto Farias (PPB-AL), herdeiro da tradição e dos negócios da família cujo integrante mais conhecido é seu falecido irmão, Paulo César Farias, o PC, tesoureiro de campanha de Fernando Collor. Escorado em sua imunidade parlamentar, Augusto tem conseguido se safar das acusações que pesam contra ele – já escapou da CPI do Orçamento, da CPI do Esquema PC e, até agora, das investigações do assassinato da deputada alagoana Ceci Cunha (que levou à cassação do deputado Talvane Albuquerque). Augusto também é investigado pelo assassinato do irmão PC e de sua namorada, Suzana Marcolino, encontrados mortos em junho de 1996. Deputados da CPI do Narcotráfico garantem que desta vez ele não escapa. E já cunharam um apelido para se referir a Augusto: Al Capone alagoano.

Uma devassa nas contas de Augusto Farias, feita pela CPI, encontrou assessores que estavam sendo usados como “laranjas”, sonegação fiscal e novos indícios que poderão aproximar o destino de Augusto daquele reservado ao legendário gângster americano dos anos 30.

Segundo investiga a CPI, Augusto seria o verdadeiro dono da Tigre Vigilância Patrimonial de Alagoas Ltda., empresa que fatura mais de R$ 5 milhões por ano e presta serviços para órgãos como a Polícia Federal e a Companhia de Abastecimento, Água e Saneamento de Alagoas, dirigida por Rogério Farias, irmão do deputado. A CPI já localizou vários cheques da Tigre emitidos para pagar despesas pessoais de Augusto, alguns para cobrir a pensão alimentícia de seu filho. E pelo menos um cheque da Tigre, de R$ 14 mil, com data de 9 de março de 1999, foi depositado em uma conta pessoal de Rogério Farias. O irmão de Augusto também contraiu um empréstimo de R$ 3,5 milhões no Banco Rural, em nome da estatal estadual, para pagar uma empresa inadimplente do Ceará. A Tigre, porém, está em nome dos testas-de-ferro Marcos André Tenório Maia e Luiza Antonieta Taques, sócios formais da empresa, além de assessores do deputado.

Marcos e Luiza foram convocados para depor na CPI, mas deram a mesma desculpa para faltar: tinham sofrido acidentes e estavam com fraturas que impediam sua locomoção. Marcos Maia tinha fraturado o perônio e Luiza Taques quebrado as duas pernas. A CPI mandou a PF buscar Maia em casa. Perguntado se conhecia Francisco Vitalino de França, Marcos Maia respondeu que era apenas um office-boy da Tigre. O relator da CPI em Alagoas, deputado Robson Tuma (PFL-SP), tirou uma carta da manga que desmascarou o depoente. Mostrou um comprovante detalhando uma movimentação bancária de R$ 400 mil feita apenas no ano passado na conta do contínuo. Para Tuma, o depoimento de Maia foi contraditório com o de Augusto no inquérito que está na Justiça. O clima na CPI ficou tenso quando Maia negou ter feito pagamentos de contas do deputado com fundos da Tigre. Depois se recusou a continuar a responder às perguntas. O deputado Fernando Ferro (PT-PE), que presidia a sessão, pediu à PF a prisão de Maia, que foi para a cadeia de maca. Foi solto um dia depois pela Justiça local. Em seu tumultuado depoimento na CPI, Augusto reconheceu que já deu dinheiro em espécie para Maia pagar suas contas.

“A movimentação contábil, fiscal e bancária e documentos que apreendemos na Tigre deixam claro que o Maia é testa-de-ferro do Augusto”, afirmou Tuma. “Maia tentou esconder que na verdade é o ‘laranja’ de Augusto”, concordou Reginaldo Germano (PFL-BA). A maioria dos sete parlamentares da CPI voltou de Maceió disposta a pedir a cassação por quebra de decoro. O assunto terá de ser decidido pelos 19 integrantes da comissão. Além da Tigre, pesa contra o parlamentar seu comportamento ao depor na CPI na quarta-feira 3.

Depois de protagonizar um duelo com Tuma, condicionou sua permanência ao silêncio do deputado paulista. Acabou abandonando o local. “O fato de o deputado ter fugido do depoimento compromete, e muito, a sua defesa”, disse Moroni Torgan (PFL-CE), relator da CPI.
Tuma disse que, indiretamente, Augusto pagou a compra da arma com que foram mortos PC e Suzana. Ele se referia ao fato de Augusto ter coberto com dinheiro pessoal o saldo negativo da conta de Suzana, pouco depois de ela comprar a arma – um revólver Rossi Special calibre 38 – usada no crime. Augusto Farias devolveu acusando Robson Tuma de ter recebido de PC Farias dinheiro para sua campanha eleitoral em 1990. A denúncia não foi comprovada. A CPI, com a ajuda do serviço de inteligência da Receita Federal, analisou a declaração de renda que Augusto entregou à Câmara. Mostra que o deputado tem o inusitado hábito de guardar dinheiro em espécie, inclusive dólar, em casa. Ele declarou ao fisco que em 1998 manteve no cofre R$ 420 mil. Em 1997, a quantia guardada era menor: R$ 270 mil. Em 1996, suas economias domésticas somavam US$ 120 mil. Chamou a atenção da Receita o fato de alguém guardar mais de 80% do patrimônio declarado no cofre de casa, sem deixar o dinheiro rendendo em uma das muitas aplicações financeiras. O apartamento que Augusto mora em Maceió, no edifício Tartana, é considerado o mais luxuoso do Estado. Foi adquirido em 26 de junho de 1998 por U$ 300 mil. Segundo a Receita, o deputado informa em suas declarações que o apartamento custou R$ 120 mil. A CPI investigou o patrimônio de Augusto e descobriu vários imóveis não declarados. “Tem cheiro de sonegação”, analisou um técnico da Receita. “Os documentos analisados são suficientes para pedir a cassação por quebra de decoro”, emendou Robson Tuma.

Mais lama – Outros depoimentos na CPI jogaram mais luz sobre o sindicato do crime montado em 14 Estados para roubar cargas e traficar drogas e armas e que seria, segundo o motorista Jorge Meres, testemunha-chave da CPI, chefiado pelo ex-deputado estadual José Gerardo de Abreu (PPB), no Maranhão, pelo ex-deputado federal Hildebrando Pascoal (AC) e pelo advogado paulista William Sozza, além do próprio Augusto Farias. A CPI descobriu, por exemplo, que Rogério Farias, dono da fazenda Flor de Santana, no interior do Maranhão, dava ao ex-capataz Epitácio Farias procuração para movimentar sua conta pessoal. A fazenda é suspeita de servir para o desmonte de caminhões e o capataz já foi flagrado vendendo pelo menos um trator roubado ao prefeito de Nova Olinda (MA), William Amorim. Em outro depoimento, o coronel da PM alagoana Manoel Francisco Cavalcanti, preso acusado de chefiar o crime organizado, disse que a morte de Ceci Cunha foi tramada no gabinete do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), com a presença de Manoel Gomes de Barros (PMDB), ex-governador de Alagoas. “O crime foi deliberado no gabinete de Renan Calheiros”, afirmou. Ainda segundo ele, cinco deputados estaduais seriam do crime organizado: Chico Tenório (PDT), Antônio Albuquerque (PRTB), Celso Luís (PSDB), Cícero Ferro (PTB) e Fátima Cordeiro (PMDB).