21/04/2001 - 10:00
Depois de uma sessão histórica no plenário do Senado, na terça-feira 17, quando o presidente da Casa, Jader Barbalho (PMDB-PA), anunciou em tom solene que o painel eletrônico de votações havia sido violado, foi a vez de a Comissão de Ética produzir, na quinta-feira 19, outra reunião memorável. O depoimento de Regina Célia Peres Borges, ex-diretora do Prodasen (Serviço de Processamento de Dados do Senado), transmitido ao vivo para os televisores a cabo do País pela TV Senado, tornou-se uma das maiores audiências da emissora. Foi uma sessão de confissões. Regina Célia, 52 anos, mãe de dois filhos, num discurso emocionado e emocionante, em que chorou várias vezes, confessou a culpa pela violação e confirmou que obteve a lista de votos da sessão secreta a pedido de Arruda e por ordem do então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Ela chegou para depor no Conselho de Ética às 14h30 da quinta-feira 19 quase como vilã. Mas, depois de mais de cinco horas de depoimento objetivo, em que não deixou sem resposta nenhuma pergunta, virou o jogo. “Seu depoimento foi sincero, patriótico”, afirmou o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT). “Suas explicações são de tal forma densas e consistentes que não tenho mais nada a perguntar”, disse Jefferson Peres (PDT-AM). Considerada até então uma das mais respeitadas profissionais do Prodasen, com 25 anos de serviço, ela contou seus temores e os fatos que a fizeram tomar uma atitude que acabou por destruir sua carreira profissional. A funcionária sabe que deverá ser punida: “Tenho plena consciência do futuro que me espera. Meu único caminho agora é falar apenas a verdade.”
E contou toda a trama. “O senador Arruda ligou para minha casa, me chamando para uma reunião na casa dele para tratar de um assunto grave”, afirmou. Segundo Regina, Arruda comunicou que ACM lhe havia pedido que mudasse o sistema do painel eletrônico para o dia seguinte, permitindo que os votos secretos dos senadores fossem identificados nominalmente. Ela admitiu que acabou aceitando fazer a ilegalidade porque, afinal de contas, era uma ordem do presidente do Senado. “Foi uma mistura de obediência hierárquica e coação”, justificou. O sistema foi mudado por dois funcionários do Prodasen, Heitor Ledur e Ivar Alves Ferreira (marido de Regina) e por um técnico da empresa que fabricou o painel. Uma cópia dos votos, em papel branco, sem timbre, foi tirada no dia seguinte após a votação. “Esse papel foi colocado em um envelope pardo e o entreguei a Domingos Lamoglia, assessor de Arruda”, afirmou. No mesmo dia, Regina recebeu um telefonema de ACM aplaudindo o serviço sujo. “Valeu, dona Regina”, agradeceu o coronel baiano.
Durante seu depoimento, Regina continou a história, repetindo-a, à medida que os senadores a bombardeavam com perguntas. Ela contou, de maneira detalhada, o “calvário” que vem vivendo desde a noite em que topou participar da fraude. A ex-diretora do Prodasen não se recusou nem a enfrentar uma acareação com ACM e Arruda. “Vai ser difícil com os senadores, mas decidi que, daqui para a frente, só a verdade conta. Faço a acareação sim”, afirmou ao senador Jefferson Perez. O que mais impressionou os senadores foi que, embora nitidamente tensa, Regina Borges não mudou o tom de suas declarações. Ela lembrou de detalhes das conversas com Arruda e o assessor Domingos Lamoglia e contou que, ao ler a primeira nota sobre uma possível violação no painel, falou com ACM. “Isso é coisa do Arruda”, foi a resposta curta e grossa do cacique baiano. Daquele momento em diante, a funcionária percebeu que estava só. “Continuei escondendo a história. Pensava em levá-la para o túmulo. Mas meu limite ético era se isso prejudicasse algum dos meus subalternos. Quando soube que se comprovara a violação do painel, não havia mais jeito. Ou eu contava tudo ou sobraria para um funcionário abaixo, que apenas cumpriu ordens”, desabafou. Assistiram ao depoimento o marido, Ivar, e um dos dois filhos de Regina Borges.
Funcionária exemplar do Prodasen, é filiada ao PSDB desde 1994. A entrada de Regina para o ninho tucano foi referendada pelo ex-deputado federal Sigmaringa Seixas, que na época comandava o núcleo de esquerda do partido em Brasília. A ligação de Regina com Sigmaringa vem dos tempos das CPI de PC Farias e do Orçamento, quando, como diretora do Prodasen, ela deu todo o apoio aos parlamentares integrantes das duas comissões. A entrada no PSDB coincide com a eleição de 1994. Ela coordenou a campanha da candidata tucana ao governo do DF, Maria Abadia, que no segundo turno apoiou o PT, garantindo a vitória de Cristovam Buarque. Como funcionária, Regina criou fama de “caxias” entre os colegas. Eles simplesmente não entendem como ela se sujeitou às ordens de Arruda e ACM para violar o painel de votação. A aproximação com Arruda, um dos padrinhos de sua volta ao comando do Prodasen em 1997, aconteceu a partir de 1996, quando o senador rompeu com o grupo de Joaquim Roriz, saiu do PP e filiou-se ao PSDB. “Regina é altamente qualificada. Nomeá-la para um cargo de direção é uma coisa natural”, defende o até hoje amigo Sigmaringa.