06/06/2014 - 20:50
FAMA
Carell só conheceu o sucesso depois dos 40 anos
O ator Steve Carell, 51 anos, esperou 15 anos para alcançar o reconhecimento em Hollywood. Foram muitas pontas em filmes e seriados de tevê até o comediante estourar no papel-título do longa “O Virgem de 40 Anos” (2005) e na série “The Office’’ (2005-2013), na pele do chefe incompetente de empresa de papel. “Nunca achei que um dia venceria”, disse o ator, que atualmente embolsa cerca de US$ 15 milhões por filme. Eleito o “homem mais engraçado da América” pela revista “Life”, Carell busca agora um novo desafio, mergulhando em território sério e dramático. Embora faltem quase nove meses para o próximo Oscar, ele já desponta como possível candidato pelo retrato do milionário John du Pont (1938-2010) em “Foxcatcher”, que concorreu à Palma de Ouro do 67° Festival de Cannes. Mentalmente perturbado, o ricaço assassinou o lutador Dave Schultz, medalha de ouro na Olimpíada de Los Angeles de 1984, quando o mesmo era técnico da equipe de atletas patrocinada por Du Pont, na Pensilvânia. “Foi uma tragédia movida pela inveja que Du Pont tinha do talento de Schultz”, disse o ator, que ganhou prótese no nariz para o papel, ficando quase irreconhecível. A seguir, os principais trechos da entrevista que Carell concedeu à ISTOÉ, no luxuoso hotel Carlton, na Croisette cannoise. Assim que soube que a reportagem era do Brasil, o ator logo perguntou: “Vocês estão preparados para sediar a Copa do Mundo?’’ Antes de ouvir a resposta, ele soltou: “Pelas notícias que ouço, parece que tudo ficou para a última hora”…
"Sempre pensei no Brasil como uma grande festa.
Por isso, acho que farão uma das melhores Copas,
apesar de eventuais problemas na organização"
"John du Pont (na foto) teve uma história de vida
muito diferente da minha. É sempre complicado
interpretar personagens verídicos"
Qual é a sua percepção do Brasil como o país da Copa?
Já conversei com alguns brasileiros sobre o assunto e todos parecem não acreditar que o Brasil terá tudo em ordem, a tempo para a Copa. Mas certamente dará tudo certo no final. Sempre dá. Não existe um país no mundo que não tenha conseguido sediar uma Copa. Não será o Brasil o primeiro. Aposto que a Copa será ótima no Brasil, um país que, infelizmente, não conheço.
Qual é a imagem que tem do Brasil?
Sempre pensei no Brasil como uma grande festa. É um lugar que o visitante procura para se divertir e para aproveitar o melhor da vida. Um lugar onde a palavra de ordem é curtir. Por conta disso, acho que vocês farão uma das melhores Copas, apesar de eventuais problemas na organização.
Quem você acha que conquistará a taça?
(Risos) Não tenho ideia, pois não sigo futebol. Gosto mais de futebol americano, hóquei, basquete e beisebol.
Acha que a Copa e a Olimpíada podem servir de plataforma para a humilhação de países mais pobres e menos preparados?
Infelizmente, a ideia de que todos competem em pé de igualdade num torneio internacional é falsa. Há obviamente países cujo desempenho é limitado pela falta de recursos. Ainda assim, acho que o espírito a prevalecer não é o de competição entre países. Esses eventos unificam os povos do mundo, em vez de separá-los. Vejo como uma competição saudável entre atletas vindos de todas as partes do planeta. É um momento de confraternização entre as culturas.
John du Pont, que você vive em “Foxcatcher”(ainda sem previsão de estreia no Brasil), se vendia como um grande apoiador dos esportes amadores nos EUA. Aparentemente, ele era um patriota…
Sim. Ele deveria ter boas intenções. Por isso, me recusei a abordá-lo como um vilão ou um monstro. Ele foi um cara problemático, com uma infância complicada. Todo o poder e a fortuna que tinha não eram nada comparados à autoconfiança de Dave Schultz, tudo o que Du Pont queria ser. Por ele não ter o respeito de ninguém, era um homem frágil e potencialmente perigoso, ainda que ninguém acreditasse nisso na época.
O que o filme diz sobre os EUA, onde a ideia de que o dinheiro pode comprar tudo é geralmente levada ao extremo?
O dinheiro não compra a felicidade. Nesse sentido, o filme é um grito de alerta. O dinheiro não ajudou Du Pont, naquilo em que ele mais precisava de ajuda, que era o psicológico. Todos sabiam disso. Mas ninguém fez nada por medo de perder o emprego. Ele passou a vida cercado de pessoas que precisavam do seu dinheiro, mas não eram necessariamente suas amigas.
O que mudou na sua vida, ao passar a ganhar muito dinheiro? Muitas vezes, isso pode vir acompanhado daquela obsessão por ter tudo, não?
Já ouvi dizer que pessoas com muito dinheiro podem se sentir com mais direito à felicidade. Eu nunca tive tanto dinheiro quanto Du Pont (risos). Ele estava num outro patamar, por ter nascido em berço de ouro. O dinheiro pode, sim, ter um efeito negativo sobre as pessoas, mas isso depende de quem você é. É uma questão de caráter e do que você considera mais valioso em sua vida. Ter dinheiro é um luxo. Como nunca tive, hoje eu o valorizo. Não gasto com qualquer coisa.
Essa postura se deve ao fato de você ter alcançado o sucesso depois dos 40 anos?
Não sei como teria sido se eu tivesse tido qualquer projeção quando era mais jovem. Fico feliz por isso ter acontecido. Não importa a idade. Não foi algo que eu achava possível. Quando aconteceu, eu já era casado (com a atriz Nancy Walls) e já tinha dois filhos (Annie, 13 anos, e Johnny, 10). Ou seja, por conta das minhas prioridades, tinha a cabeça no lugar. Ainda assim, gosto de pensar que eu teria sido um cara maduro diante do sucesso e não teria me transformado num idiota completo (risos). Mas nós nunca vamos saber…
Há muitos idiotas em Hollywood?
(Risos) Só vou dizer que, ao saírem do anonimato, alguns sentem uma estranha necessidade de transformação. O curioso é que viram outra pessoa. Nunca vou entender o motivo.
Até que ponto acha que a sua aparência, de um cara comum e não de movie star, favoreceu a sua carreira, aproximando-o do público?
Nunca pensei muito a respeito. Dizem que a plateia muitas vezes se identifica mais com um sujeito normal. Não sei. Sempre tive essa cara (risos). Ao longo da carreira, nunca senti que fosse uma habilidade ou, por outro lado, uma deficiência. Nunca fui empregado com base na minha aparência. E nem despedido por conta disso.
John du Pont não parecia se sentir bem com quem ele era. Passou por isso em alguma fase de sua vida?
Ele teve uma história de vida muito diferente da minha. Por isso, é sempre complicado interpretar personagens verídicos. Tudo o que fiz foi especular por que Du Pont se sentia tão mal na própria pele. Acho que ele se sentia humilhado por não ter a aprovação da mãe (vivida no filme por Vanessa Redgrave), que preferia estar com seus cavalos do que com o filho. Felizmente, não passei por nada parecido. Talvez na juventude tenha me sentido um pouco desajustado, principalmente na hora de paquerar garotas. Eu não era muito sociável.
Era tímido?
Terrivelmente tímido. Nunca fui de frequentar bares na época em que era solteiro. Na juventude, não sabia o que fazer para conhecer mulheres. A ideia de puxar papo com uma estranha num bar, com o objetivo de ter um contato físico no fim da noite, era vagamente repulsiva para mim (risos). Não achava que era a melhor maneira de me conectar com alguém. E o fato de eu não ter autoconfiança também não ajudava.
Como fez quando conheceu Nancy, sua mulher?
Nós nos conhecemos quando eu atuava num grupo de teatro de Chicago, o The Second City. Levei um tempo até tomar coragem para convidá-la para sair. Brinquei com a ideia primeiro. Até ter certeza de que ela diria sim (risos).
Há muitos elementos em comum em sua galeria de personagens. Muitos deles enfrentam situações embaraçosas, o que desencadeia o humor. É algo que procura?
Não necessariamente. Mas a verdade é que a melhor comédia, na minha opinião, sempre nasce de uma situação. Gosto quando o personagem tenta desesperadamente manter a dignidade, mesmo num momento constrangedor. Isso é muito engraçado e, ao mesmo tempo, tocante.
Concorda com a ideia de que o bom comediante precisa ter um lado obscuro?
É o que dizem. Não sei se é certo. Pode soar estranho, mas eu nunca abordei comédia ou drama de uma forma diferente. Eu só procuro fazer o papel, buscando a sua honestidade. Não dá para escolher o drama ou a comédia. É preciso deixar acontecer, até porque um personagem nunca deve agir como se ele soubesse estar numa comédia ou num drama.
A ideia é buscar papéis mais dramáticos, como Du Pont, daqui para a frente?
O meu objetivo principal é apenas estar empregado. Isso não mudou desde o meu início de carreira. A diferença é que antes eu precisava aceitar o que me ofereciam. Agora posso escolher, o que é um luxo. De acordo com as ofertas, sempre vou escolher o que parecer mais instigante. Mas nunca será um movimento calculado, no sentido de mudar ou não a percepção que o público e a indústria têm de mim.
Pela boa recepção de “Fox-catcher” em Cannes, já se fala de uma possível indicação sua ao Oscar de melhor ator.
Obviamente, é bom ouvir isso. Mas é muito prematuro. Se eu ousasse dar importância a esse burburinho, correria o risco de me transformar no que mais odeio: pessoas pretensiosas.