Por cerca de duas semanas o bebê Gustavo Guedes, de 1 ano e 4 meses, usou um remédio à base de canabidiol (CBD), derivado da maconha. Portador da síndrome de Dravet, o menino sofria com convulsões severas. Nesse curto prazo, a família dele já notava alguma melhora. O menino, porém, sucumbiu a uma crise convulsiva e faleceu no domingo 1º. A morte do bebê é um triste exemplo de como é equivocada a postura da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que reluta em reclassificar o composto usado para tratar epilepsia, de modo que ele possa ser prescrito e importado. O canabidiol poderia ter evitado a convulsão? É possível. Em várias crianças brasileiras a substância tem se mostrado bastante eficaz. Gustavo, no entanto, não teve tempo de se beneficiar integralmente do composto. Seus pais foram os primeiros a conseguir autorização especial da Anvisa para importar o produto, que ficou 40 dias retido na Receita Federal. Agora, a agência disse que vai investigar o caso.

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ATRASO
Crianças não podem se beneficiar de produto que reduz convulsões
porque a Anvisa, presidida por Dirceu Barbano (abaixo),
não autoriza a legalização de canabidiol

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A decisão sobre o tema foi postergada por pressão política do Palácio do Planalto, temeroso de eventuais prejuízos eleitorais com grupos conservadores. Para o público, o presidente da Anvisa, Dirceu Barbano, argumentou ser “inócua” a reclassificação, uma vez que no canabidiol importado há traços de outros canabinoides, ativos da maconha não legalizados nem comprovadamente seguros, como o THC. Especialistas dizem que a explicação não se sustenta. Membros de um grupo pioneiro no estudo do uso da maconha medicinal, Antonio Zuardi, José Alexandre Crippa e Jaime Hallak, pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo no campus de Ribeirão Preto, afirmam que nos 40 anos de estudos não foram indentificadas consequências negativas da substância. “O canabidiol que temos usado em nossas pesquisas possui quantidades irrisórias de outros canabinoides e não observamos efeitos deletérios”, diz Crippa. Lucas Maia, coordenador do grupo de estudos sobre maconha medicinal da Universidade Federal de São Paulo, também questiona a agência: “O que é mais prejudicial: convulsão que leva à morte ou um efeito adverso que nem se sabe se existe?”

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PESQUISA
Grupo de professores da USP que estuda o uso medicinal da maconha:
não foram observados efeitos deletérios do canabidiol nas pesquisas

Para o professor de psiquiatria da Universidade de Campinas Luís Fernando Tófoli, a decisão defendida por Barbano deixa de lado pilares da bioética. “Há um benefício em potencial trazido pela substância. Pode ter risco? Pode. Mas garantir que as crianças continuem vivendo com qualidade é o começo. Aí, pode-se, inclusive, registrar efeitos indesejáveis do produto”, afirma ele, para quem a liberação é importante também para facilitar pesquisas e testes clínicos. Essa é uma das principais bandeiras das famílias que importam o canabidiol – em muitos casos, ilegalmente. Curiosamente, consta da lista de substâncias legais da Anvisa o dronabinol, versão sintetizada do THC, um dos canabinoides proibidos. Procurada, a agência afirmou que segue uma convenção internacional que proíbe o THC.

Fotos: Leonardo Carvalho/Esp. CB/D.A Press; Renato Lopes; FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/ABR