06/06/2014 - 20:50
A história recente do País mostra que escândalos de corrupção não escolhem partidos ou ideologias. Poucos homens públicos, hoje, são capazes de ostentar um currículo sem nenhuma mácula. Dois personagens, no entanto, possuem o dom de superar os seus pares pela insistência em não deixar as páginas policiais, como se tivessem uma compulsão pelo malfeito. São eles os políticos brasilienses José Roberto Arruda (PR) e Luiz Estevão (PRTB). Este ano, numa composição política que desafia a lei da Ficha Limpa e o bom senso do eleitor, eles marcharão juntos na campanha eleitoral ao governo do DF. Nas últimas semanas, Estevão confirmou apoio à candidatura de Arruda ao Palácio do Buriti. “É o sujo apoiando o mal lavado”, lamenta o cientista político da UnB David Fleischer.
JUNTOS
O ex-senador Luiz Estevão selou apoio ao ex-governador
José Roberto Arruda ao governo do DF
Arruda e Estevão exibem trajetórias e comportamentos parecidos e estão sempre a postos para reiniciar um novo ciclo vicioso, que só não foi interrompido até hoje por conta da impunidade e da morosidade da Justiça. As semelhanças entre eles são evidentes. Ambos debutaram na vida pública em Brasília, pertencem à mesma geração de políticos, foram flagrados em práticas ilegais, condenados e presos. Arruda, aliás, foi o primeiro governador preso no exercício do mandato. Estevão, o primeiro senador cassado da história do País. Na esteira de seus infortúnios, eles agiram de modo harmônico: submergiram, experimentaram o ocaso político e, depois, retornaram cândidos pedindo mais uma chance com a promessa de fazer diferente. Arruda regressou à vida pública. Estevão, à empresarial. Não há sinais de que mudaram. Pelo contrário. Num país em que ladrões de latas de leite vão rapidamente para a cadeia, Estevão, por exemplo, acusado de desviar R$ 400 milhões dos cofres públicos, desfilava pela capital federal até o início do ano a bordo de uma Ferrari. Em abril, a Justiça determinou a penhora do carro como forma de garantir o pagamento de dívidas.
Processos é que não faltam para a dupla. Desde 2000, quando foi cassado, Estevão recorre de uma condenação a 31 anos de prisão por desvios na obra do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. Na ocasião, ele chegou a ser preso preventivamente, mas foi solto dias depois. Hoje, ele devolve aos cofres públicos quase meio bilhão de reais por conta das irregularidades no TRT. Mesmo assim, tem esse valor abatido ao alugar imóveis para a própria União. Arruda, por sua vez, então governador do DF, ficou preso entre fevereiro e abril de 2010 na Superintendência da Polícia Federal, após a divulgação de vídeos contendo imagens em que ele aparece recebendo dinheiro de propina de Durval Barbosa, delator e um dos operadores do esquema de corrupção montado na capital, com distribuição de mesadas para parlamentares, secretários e funcionários. Menos de dois meses depois, Arruda foi solto quando o Superior Tribunal da Justiça (STJ), por oito votos a cinco, entendeu que ele não ofereceria mais riscos à investigação. Em 16 de março de 2010, teve seu mandato cassado pelo TRE do Distrito Federal por infidelidade partidária. Embora tenha sido denunciado pelo Ministério Público Federal como chefe da organização criminosa, Arruda ainda não foi julgado pela Justiça nesse processo.
ELE TAMBÉM
Joaquim Roriz, outro ficha suja, irá indicar o vice de Arruda
Por coincidência, a primeira derrapada ética de Arruda se deu num episódio em que Estevão estava diretamente envolvido. Em 2000, Arruda renunciou depois de violar o painel eletrônico do Senado durante o processo de cassação de Estevão. Em 2002, pediu desculpas públicas e retornou à política como o deputado mais votado proporcionalmente do País. Em 2006, elegeu-se governador e foi apeado do poder depois de flagrado recebendo propina.
Resta saber, agora, se o eleitorado terá coragem de perdoá-lo nas urnas mais uma vez. A última pesquisa do Instituto Dados aponta a liderança de Arruda com 23,1%, contra 16,4% do petista Agnelo Queiroz. Os processos acumulados por Arruda na Justiça, porém, podem até lhe tirar o direito de se candidatar, caso ele seja julgado por um órgão colegiado até outubro deste ano. Nesse caso, ele seria enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Isso vai depender da velocidade com que o processo será julgado. “Não tenho dúvidas de que a candidatura de Arruda será questionada”, acredita Luciano Santos, integrante do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral. David Fleischer faz coro. “Ele pode até recorrer ao Supremo, mas acredito que a Justiça não vai deixar Arruda ser candidato”, afirmou.
A aliança entre Arruda e Estevão vem sendo articulada desde o ano passado. A princípio, Liliane Roriz (PRTB) seria a vice na chapa. Contudo, a deputada distrital desistiu para concorrer à reeleição. A indicação do nome que irá substituí-la caberá ao seu pai, o ex-governador Joaquim Roriz, outro notório ficha suja que dispensa apresentações.
Fotos: Paulo Araújo/CB/D.A Press; Marcia Gouthier/Folhapress; Laison Duarte/O Popular/Futura Press; Patrícia Santos/Folhapress