30/05/2014 - 20:50
Vitamina C e cama – à noite. A antiga receita para enfrentar os resfriados que podem ser causados pelo frio, entre 8 e 14 graus, é uma prescrição preventiva indicada pelo departamento médico da Seleção Brasileira de Futebol aos jogadores, instalados no Centro de Treinamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), na Granja Comary, em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro. Mas o clima dentro do complexo é radicalmente oposto às nuvens densas, à chuva teimosa e aos ventos irritantes do lado de fora. Os jogadores sorriem muito, confraternizam e apostam na força do time comandado pelo técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão. O grupo, concentrado desde a segunda-feira 26 na Granja, iniciou a caminhada rumo ao título de hexacampeão do Mundial de futebol que começa no dia 12 de junho. Na Granja, e na cidade de Teresópolis, a Copa já começou.
HOLOFOTE
Treino recreativo da Seleção na quarta-feira 28, observado por
dezenas de jornalistas: preocupação com o bem-estar físico e psicológico
Devastada pelos deslizamentos de terra provocados pelas chuvas em 2011, numa tragédia que matou 300 pessoas, a cidade está saindo do abatimento com a chegada do time de Felipão. “Teresópolis está renascendo para todos”, diz a empresária Rosana de Rezende Ribeiro, 58 anos, cuja família é dona de um hotel. As cores da Seleção Brasileira estão por todos os lugares. Só a prefeitura investiu R$ 100 mil na decoração, com banners de até três metros, bandeirinhas e galhardetes. Até o hall de entrada do órgão executivo foi ornamentado com um painel com caricaturas de Pelé, com a coroa de rei na cabeça, Neymar, David Luiz e Hulk. Os ônibus exibem adesivos com silhuetas de jogadores e o slogan: “Teresópolis Casa de Seleção”. A rede hoteleira do município, que desde 2011 tinha uma taxa de ocupação de 65%, vai faturar por conta dos hóspedes ilustres. A expectativa é que os 4,7 mil leitos dos quase 60 hotéis e pousadas tenham 100% de ocupação.
Mas, se depender do rígido esquema de segurança da Granja Comary, os visitantes terão que se contentar com a “atmosfera de Copa” criada pela Prefeitura de Teresópolis. “A cidade mudou a rotina para receber a Seleção, o povo quer ter acesso”, diz a artesã Valquíria Mendes, 48 anos, moradora da cidade, que foi até a concentração da Seleção tentar ver seus ídolos, mas nem chegou perto. Nem o pároco da principal igreja da cidade, a de Santo Antonio, consegue se aproximar dos craques. “Estou esperando que o Felipão venha à missa aqui ou nos convoque para rezar lá. Já tentei um contato, porque sei que ele é católico, mas ainda não consegui”, afirma o padre Jorge Luis Pacheco de Oliveira. Ele convidou toda Teresópolis para rezar a missa em homenagem à Seleção em 12 de junho, dia do primeiro jogo da Copa, entre Brasil e Croácia.
ASSÉDIO
A Prefeitura de Teresópolis investiu R$ 100 mil na decoração da Copa.
Abaixo na quinta-feira 29, David Luiz brinca com
garoto deficiente antes do treino da Seleção
Apesar de não receber padres, a Granja Comary é considerada o “Vaticano de Teresópolis”, segundo disse à ISTOÉ o secretário de Turismo da cidade, Ronaldo Fialho. “A CBF é igual ao Vaticano porque é um ‘Estado’ totalmente autônomo em Teresópolis, além de muito rico. Não precisa da prefeitura para nada”, diz. Fialho exemplifica a diferença de orçamentos. “Enquanto a gente está sofrendo para conseguir R$ 1 milhão para a reforma de uma praça no centro, a CBF gastou 15 vezes mais na reforma da Granja.” A concentração da Seleção, que fica em uma planície gelada dentro de um condomínio com mais de 700 residências, foi totalmente modernizada (leia quadro). Mas poucos podem ter acesso a essas mudanças. Protegido por barreiras compostas por guardas municipais, policiais militares, cães farejadores, seguranças particulares e até tropas do Exército, o time fica isolado nos prédios construídos pela CBF. Lá só transitam moradores, todos devidamente cadastrados. Os habitantes do condomínio não podem entrar no CT da Seleção, mas ninguém pode impedir um atleta de fazer o caminho inverso e se jogar em direção aos fãs, como aconteceu na tarde da quinta-feira 29, quando o goleiro Júlio César pulou a cerca de arame e foi atender aos pedidos para fotos e autógrafos; e Neymar que, mais tarde, também cumprimentou a turma do sereno, porém, sem sair dos limites da cerca.
De lá, os atletas só saem para um dos cinco novos campos de treinamento, onde a partir da quarta-feira 28 começaram as atividades com bola. Outra novidade é a preocupação com o estado emocional e o bem-estar dos jogadores. “A ordem é ‘no stress’. Os cuidados são divididos quase que igualmente com os pés e a cabeça de cada um deles”, disse à ISTOÉ um integrante da comissão técnica que não quis se identificar. Nunca se viu tanta atenção ao equilíbrio emocional de uma equipe. Os atletas terão acompanhamento psicólogico de três terapeutas, sob a coordenação de Regina Brandão, que já “dividiu a bola” com Felipão na Copa de 2002. Além de buscar a harmonia de cada jogador, o foco central será afastar completamente o trauma do “Maracanazo”, como é chamada a derrota de 2 a 1 para o Uruguai, em pleno Maracanã, na final da Copa de 1950.
O fato é que, desde a semana passada, os olhos do mundo se voltaram para Teresópolis – e não por acaso. O time brasileiro é o mais bem cotado para ganhar o título em casas de apostas estrangeiras e nacionais. A Seleção também é favorita entre os estrangeiros que vieram trabalhar na Copa. A alemã Martina Farmbauer, repórter do site Sport 1, de Munique, está entre os dois mil credenciados para acompanhar a preparação na Granja Comary e, em poucos dias de Teresópolis, já perdeu o distanciamento desejável à profissão. “Estou torcendo para Brasil e Alemanha não se enfrentarem. Seria difícil para mim. O Brasil e a Seleção me encantaram.”
Fotos: Celso Pupo/Foto Arena