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TEMPO EXÍGUO
Presidente do TSE diz que o prazo para alteração nas regras eleitorais é até o dia 10

 

Na primeira semana na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Dias Toffoli viveu momentos agitados. Enquanto, no plenário do TSE, a ministra Laurita Vaz determinava que o PT retirasse do ar a propaganda petista sobre os “fantasmas do passado”, em que comparava o Brasil de 2014 e o de 2002, o próprio Toffoli amargava, no Supremo Tribunal Federal, uma derrota por larga margem. Por 9 votos a 2, o STF rejeitou a decisão de controlar a atuação do Ministério Público na apuração de crimes eleitorais, proposta que tinha apoio de Toffoli. Preparando-se para presidir uma eleição presidencial que promete ser uma das mais nervosas da história, em entrevista à ISTOÉ Toffoli falou sobre um de seus projetos para 2014: tentar, nas próximas semanas, convencer os partidos políticos a aprovar um teto de gastos para a campanha presidencial.

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"O PT e o Lula fazem parte de minha história.
Mas desde 2009 sou um juiz e tenho
atuado de maneira imparcial"

 

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"Acho possível fazer uma crítica ao Partido dos Trabalhadores.
A vida partidária perdeu muito da vivência orgânica
junto aos movimentos populares e sindicais"

 

ISTOÉ

 O sr. está em campanha para criar um teto para gastos nas eleições. Como está isso? 

 
Toffoli

 Sei que será difícil debater e aprovar um limite para as eleições deste ano. O prazo para implementar uma mudança como esta termina em 10 de junho. Mas é uma discussão necessária.

 
ISTOÉ

 Por quê? 

 
Toffoli

 Quando você estabelece um limite, pode começar a controlar os gastos dos partidos. Quem ultrapassar o limite já cometeu um crime de caixa 2.  

 
ISTOÉ

Qual seria esse limite?

Toffoli

É um ponto a ser discutido. Quero aprovar um teto de R$ 200 milhões para cada campanha presidencial, por exemplo.

ISTOÉ

 Não é muito dinheiro? 

 
Toffoli

 Estamos falando de um dos maiores eleitorados do mundo. Em 1945, no fim do Estado Novo, nossos eleitores chegavam a 10% da população, pela primeira vez na história. Hoje, são 72% dos brasileiros. Não podemos ter uma visão moralista. Eleições grandes são eleições caras. É um gasto legítimo, desde que seja feito sem abusos e sem corrupção. 

 
ISTOÉ

 Quando o STF debateu o financiamento de campanhas eleitorais, o sr. defendeu a proibição de contribuições de empresas. Por quê?  

 
Toffoli

 Meu voto foi prático e objetivo. A constituição diz que o direito de votar pertence aos cidadãos, nas formas definidas em lei. Logo, as empresas,que não têm direito de votar, também não podem contribuir para as campanhas eleitorais. 

 
ISTOÉ

 A Justiça norte-americana fez um debate sobre isso. Como foi? 

 
Toffoli

 No passado, a legislação norte-americana não permitia contribuição de pessoas jurídicas. Mais tarde, foram autorizadas contribuições dos PACs, que eram uma espécie de ONGs que recolhiam contribuições de funcionários das empresas. Mas respeitava-se o princípio de que a pessoa jurídica não tinha o direito de contribuir diretamente para a campanha. Em 2010, por 5 a 4, a Suprema Corte mudou seu entendimento. Concluiu que pessoas jurídicas poderiam contribuir. Em outra decisão, os limites dessa contribuição acabaram. O “The New York Times” chegou a dizer num editorial que essa decisão tornava o regime democrático vulnerável, porque ameaçava o direito de cada cidadão a um voto.

 
ISTOÉ

  No Brasil, o STF já se manifestou por maioria absoluta de votos contra a contribuição das empresas. Mas o caso ficou parado porque o ministro Gilmar Mendes, que é favorável à contribuição das empresas, pediu vistas. Existe um prazo para o julgamento prosseguir?  

Toffoli

 O prazo regimental é de 15 dias, prorrogáveis por 15 quinze. 

 
 
ISTOÉ

 O ministro pediu vistas no dia 2 de abril… 

 
Toffoli

 Apesar do prazo regimental, isso fica a critério de cada ministro. O Supremo tem uma pauta muito carregada. Eu mesmo já liberei 100 votos para julgamento – não eram pedidos de vista, eram votos mesmo – que não puderam ser examinados. Hoje, a pauta do Supremo tem mais de 700 processos. 

 
ISTOÉ

 Muitos brasileiros se queixam de que a Justiça Eleitoral tem mania de recadastramento. Periodicamente, o eleitor é avisado de que tem um prazo para atualizar seu título para poder votar. Por quê? 

 
Toffoli

 Não é bem assim. O último recadastramento foi em 1984, quando mudou o formato do título eleitoral. Antes, ele tinha foto. Depois, vota-se com um segundo documento que tem foto. Depois disso, só quando ocorriam grandes mudanças na base eleitoral de um Estado a população era convidada a se recadastrar. Mas foram medidas de caráter local. Hoje, o recadastramento se explica pela biometria. É uma mudança que se justifica porque aumenta a segurança sobre o voto. Hoje você tem certeza de que o voto dado na urna eletrônica será contabilizado. Mas não tem certeza de quem está votando. 

 
ISTOÉ

Por quê?

Toffoli

Hoje, no Brasil, você tira o título eleitoral com base na carteira de identidade, que, por sua vez, começa com a certidão de nascimento. Mas a certidão é fornecida por um cartório privado, que é uma concessão do Estado. A carteira de identidade é fornecida pelas Secretarias de Segurança. Um cidadão pode, em teoria, ter 27 carteiras de identidade.

ISTOÉ

 O sr. tem defendido que, a partir do título eleitoral, se faça uma carteira de identidade única. Como seria? 

 
Toffoli

 A ideia é que o título eleitoral seja o primeiro documento do cidadão, ao qual seriam agregados os demais: número de identidade, CPF, previdência, carteira de trabalho. A vantagem seria evitar uma situação que acontece no Brasil. O cidadão morre, mas o cartório onde é feito o registro de óbito deve comunicar a morte à Justiça eleitoral. Mas essa comunicação às vezes não chega. E aí um espertinho pode ir lá votar pela pessoa que morreu. Com a biometria e uma nova identificação, você vota com seu chip e só ele abre a urna para sua cédula eleitoral. 

 
ISTOÉ

 O sr. fala em Poder Moderador do Judiciário, em especial do Supremo. Por quê? 

 
Toffoli

  No século XIX, os parlamentos viveram seu auge, pois era uma forma de se opor aos poderes do rei. No século XX, tivemos um período de apogeu do Executivo, com presidentes fortes e mesmo ditadores. Na segunda metade do século passado, tivemos um período de constitucionalização. Hoje, vivemos no mundo inteiro um período de maior ação do Judiciário.

 
 
ISTOÉ

 Como assim? 

 
Toffoli

 A sociedade quer direitos que estão na legislação, mas não se tornaram realidade concreta. Existe a lei, mas não há efetivação do direito. Para dar um exemplo: apesar das garantias escritas do Código do Consumidor, basta você tentar se desfazer de uma linha do celular que vai ser uma dificuldade. O foco das pessoas se modificou. Não se quer mais ter a lei. O que se quer é uma sentença que sirva de garantia. Isso é uma tendência de vários países. Vem daí a importância da Justiça e das cortes constitucionais, em todo o mundo. Em caso de conflito entre poderes, a Justiça funciona como poder moderador.  

 
ISTOÉ

 Isso não ameaça a soberania popular? 

 
Toffoli

 Você tem uma queda da política. Os parlamentos demoram para tomar decisões, é cada vez mais difícil formar maiorias, as decisões se tornaram complexas.

 
ISTOÉ

 Mas aí nós temos uma questão: o Parlamento é um poder eleito…

 
Toffoli

  O Executivo também é eleito. O Judiciário não. 

 
ISTOÉ

 Mas a última palavra fica com o Judiciário, o único dos poderes que não é eleito. Isso não ameaça a noção de que todos os poderes emanam do povo? 

 
Toffoli

 Nos Estados Unidos, esse debate se resolveu pela consideração de que, se há um tribunal responsável pelo respeito à Constituição, essa corte está acima do Parlamento. No direito dos países europeus, a prioridade é sobre os parlamentos. No Brasil, o papel moderador, na República, acabou sendo desempenhado pelos militares. Hoje, é desempenhado pelo STF. 

 
ISTOÉ

 O sr. costuma criticar os partidos políticos.

 
Toffoli

 Eles estão em crise. Há muito tempo perderam sua identidade ideológica, tornaram-se representantes de seus interesses. 

 
 
ISTOÉ

 As pesquisas mostram que uma parcela importante dos eleitores sente-se representada pelo Partido dos Trabalhadores. O problema não é uma crise na representação conservadora? 

 
Toffoli

 No “Dicionário de Política”, editado em 1996, o empresário Said Farhat, que foi assessor do governo João Figueiredo, escreve que o PT é um partido que conseguiu criar uma linha programática ideológica. Ele diz, também, que a maioria dos outros partidos não conseguiu criar essa linha. Mas hoje, após muitos anos de poder, acho possível fazer uma crítica ao Partido dos Trabalhadores. A vida partidária perdeu muito da vivência orgânica junto aos movimentos populares e sindicais. 

 
ISTOÉ

 Por que o sr. disse que o PT era uma página virada em sua vida? 

 
Toffoli

 Eu queria dizer que é uma fase acabada em minha vida. O PT e o Lula fazem parte de minha história. Mas desde 2009 sou um juiz e tenho atuado de maneira imparcial. 

 
ISTOÉ

 O sr. nunca sentiu-se pressionado pelo passado quando foi julgar a AP 470?  

 
Toffoli

 Ninguém pode ser juiz, ainda mais de um tribunal superior, se não for capaz de enfrentar pressões. Ser juiz é ouvir pedidos. Um advogado pede absolvição. O Ministério Público pede condenação. Isso tem de ser tratado dentro da normalidade do Estado Democrático de Direito. Muitas pessoas dizem que a imprensa pressionou o Judiciário. Eu acho que ela fez seu papel.

 
ISTOÉ

 O sr. votou contra uma questão de ordem que pedia o desmembramento do julgamento que teria permitido que 34 réus sem foro privilegiado – entre eles José Dirceu, Delúbio Soares, os publicitários, os executivos de banco – tivessem direito a uma segunda jurisdição. O sr. se arrependeu? 

 
Toffoli

 Não. Quando votei, aquela decisão tinha sido tomada três anos antes. Não fazia sentido, na última hora, mudar uma decisão. O próprio Joaquim Barbosa foi a favor do desmembramento, da primeira vez. Se ele tivesse vencido, só quatro deputados teriam sido julgados pelo Supremo. E quem estaria executando a eventual pena do José Dirceu não seria o Supremo, mas o juiz de primeira instância.

 
ISTOÉ

 Se é que estaria, porque o julgamento do mensalão PSDB-MG nem acabou na primeira instância. Foi correto desmembrar o julgamento de Minas e não desmembrar o julgamento dos réus ligados ao PT?

 
Toffoli

 Nós precisamos aprender com a história. As decisões que vieram depois foram favoráveis ao desmembramento, mostrando que teria sido a decisão mais correta.