26/04/2000 - 10:00
Como a reforma tributária ainda não passa de um sonho de empresários, contribuintes e de meia-dúzia de deputados, governadores dos maiores Estados brasileiros continuam a se digladiar numa guerra fiscal cada vez mais agressiva para atrair novas indústrias a qualquer custo. Nesse verdadeiro vale-tudo, o governo de Goiás resolveu inovar e acrescentar um ingrediente para se diferenciar dos Estados concorrentes. Está mantendo os mesmos incentivos concedidos por outros governos, mas também exigindo das empresas uma contrapartida social. Ao mesmo tempo que se beneficiam de reduções fiscais, as indústrias que estão se instalando em Goiás estão patrocinando programas como bolsa universitária, salário-escola e aceleração escolar. “No passado, a contrapartida exigida pelo Estado era em forma de propina. Hoje somos ousados para atrair a iniciativa privada, mas cobramos parceria em projetos sociais”, comemora o governador Marconi Perillo.
A fórmula tem dado certo. Quando assumiu o governo, logo percebeu que não teria como cumprir a agenda social sem um forte apoio da iniciativa privada. Goiás é o Estado mais endividado do País, compromete 15% de sua receita líquida mensal com o pagamento de uma dívida de R$ 8,5 bilhões com a União. Em um ano de governo, Perillo conseguiu atrair grandes empresas, como a Vigor, o Grupo Orsa, os atacadistas Martins, Peixoto e Arcon. Ao reduzir a alíquota do ICMS do boi de 7% para 3%, reabriu cinco frigoríficos que tinham fechado e atraiu outros gigantes do mercado como o frigorífico Bertin. Só no ano de 1999, foram 176 novos projetos industriais envolvendo mais de 80 empresas. “Eu não tenho dúvidas de que a localização estratégica do Estado, as potencialidades do mercado consumidor e a abundância de água e energia pesam na decisão das empresas de se instalarem em Goiás. Nosso papel é reverter isso em benefícios à população”, avalia.
Bolsa de estudo – Os resultados sociais dessas parcerias já estão aparecendo. Só neste ano, 4.100 universitários que não teriam condições de bancar as faculdades particulares estão recebendo um crédito de até 80% no pagamento de suas mensalidades. É o setor privado que paga 1.600 dessas bolsas universitárias. Para receber o auxílio, o universitário trabalha como voluntário em programas socias do governo. Antônio de Freitas Filho, estudante do primeiro período de Administração, não teria recursos para arcar com a mensalidade de R$ 320 da Universidade Salgado de Oliveira. Ao receber o crédito de R$ 260, Antônio assumiu o compromisso de monitorar crianças carentes três vezes por semana no turno vespertino. “É uma chance que eu tenho de devolver para sociedade um pouco do que está fazendo por mim”, ressalta o universitário que trabalha com crianças do setor Noroeste, uma das áreas mais pobres de Goiânia. Essas mesmas crianças são também atendidas pelo programa salário-escola. A família delas recebe meio salário mínimo para mantê-las em sala de aula.
O setor privado também tem grande participação no programa de aceleração escolar. Empresas como a Tele Centro-Oeste e a Nec, além da Associação para o Desenvolvimento Industrial de Goiás (Adial), estão diretamente envolvidas no compromisso de recuperar estudantes com mais de dois anos de repetência. Um recente relatório da Unesco apontou a “cultura da repetência” como um dos maiores problemas da educação brasileira, atingindo 26% dos alunos de escolas primárias. Com o apoio do Instituto Ayrton Senna, Goiás foi o único estado que encarou o desafio de levar o programa para todos os municípios. Este ano serão 25 mil alunos sendo alfabetizados e recuperando o tempo perdido.
De todos os programas sociais, a menina-dos-olhos do governador é o cartão do cidadão. A partir do próximo mês será extinta no Estado a prática da cesta básica. As 11 mil famílias que eram atendidas com essa prática clientelista terão direito a um cartão de crédito no valor de R$ 30 para comprar os gêneros alimentícios. Para continuar a receber o crédito, terão que provar, através de notas fiscais, que gastaram o dinheiro com alimentação. “Acho bem melhor esse cartão. Assim, posso comprar aquilo que realmente preciso”, conta a diarista Maria de Fátima Braga, que ganha um salário mínimo e recebe a cesta básica há quatro anos. “Queremos acabar com o clientelismo e levar cidadania”, destaca o governador. Foi pensando nisso que criou também o Vapt-Vupt, uma central de atendimento na qual os goianos têm 151 serviços prestados pela Polícia Civil, Procon, Detran, Ministério da Fazenda, Ministério Público, prefeitura, entre outros. A primeira unidade já funciona no Shopping Buriti em Aparecida de Goiânia, e até o final do ano quatro unidades serão inauguradas. Ao se eleger rompendo com as velhas oligarquias, Marconi Perillo diz estar pondo em prática o ideário social-democrata de seu partido. Ele faz em Goiás aquilo que o PSDB vem tentando sem sucesso há cinco anos no governo federal.