Você ainda não se acostumou com a idéia de comprar livros e CDs pela Internet? É melhor se habituar logo porque as alternativas da rede mundial de computadores são infinitas e podem chegar até o relógio de força de sua casa. Que tal comprar energia elétrica pela Web? Esta é apenas uma das possibilidades no balcão de novidades que o setor elétrico planeja para o consumidor.

Como reflexo da abertura do mercado promovida pelo governo, a tendência para o futuro próximo é um aumento expressivo do número de empresas que comercializam energia. Hoje essas empresas são apenas 12 em todo o País. Há três anos, porém, elas nem sequer existiam. A venda do produto era feita exclusivamente pelas distribuidoras, que detinham o monopólio em suas áreas de concessão. Com as mudanças que vêm por aí, dará até para comprar energia elétrica na banca de jornal. É isso mesmo: você poderá recarregar o relógio de força de sua casa com cartões pré-pagos, como se faz atualmente com o celular. Será possível também trocar de fornecedor quando o serviço estiver deixando a desejar.

As mudanças não vão apenas facilitar a vida do usuário. Os otimistas de plantão apostam que uma das consequências do processo será a queda dos preços, fruto da concorrência. “Além de uma melhoria na qualidade dos serviços, o brasileiro vai ter energia a preços cada vez mais justos”, diz José Mário Abdo, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o órgão regulador do setor elétrico. Ele acredita ainda que o cliente é que ditará as regras. “O consumidor vai ser cortejado”, afirma, referindo-se à possibilidade de troca de fornecedor, que deve estimular as empresas a roubarem usuários do concorrente. Esse cenário não é para já. O martelo ainda não foi batido, mas a Aneel trabalha com a expectativa de liberar completamente o mercado em 2005, ano a partir do qual ficará valendo a livre escolha também para o consumidor doméstico.

Indústrias de grande porte já fazem isso hoje. Gradualmente a possibilidade será estendida a todos os usuários. Há, no entanto, quem duvide da viabilidade dessa abertura. Célio Bermann, professor da Universidade de São Paulo (USP), acredita que, na prática, o custo para se mudar de fornecedor será muito alto para os clientes residenciais. “A alternativa seria esses consumidores se organizarem por bairros ou por condomínios. Isso poderia viabilizar a troca”, diz.
Nos Estados Unidos, a prática é viável, mesmo individualmente. Por aqui, embora pareça que o cenário ainda está distante, algumas empresas já se preparam para fornecer uma variada gama de serviços.

O primeiro alvo são os grandes consumidores, dado o maior volume de negócios que são capazes de gerar. Mas poucos têm dúvida de que o movimento chegará ao público em geral. “A desregulamentação e a Internet provocarão uma mudança nas relações comerciais muito maior do que se acreditava a princípio”, aposta Mario Epelbaum, vice-presidente para o setor elétrico do banco de investimentos Morgan Stanley Dean Witter. Ele cita países como Estados Unidos e Inglaterra, onde o processo está mais adiantado.

Em ambos, o comércio virtual de energia já provocou uma revolução. Pela Internet são realizados leilões de compra e venda entre fornecedores e consumidores industriais. Para o público doméstico existem portais que vendem serviços integrados: energia, telefonia e gás. “As empresas que vendiam apenas energia perceberam que para o cliente residencial é preciso oferecer outros produtos. Daí transformaram-se em multisserviços, concedendo descontos a quem compra tudo do mesmo provedor”, explica Ronald Munk, sócio-diretor da Andersen Consulting.

É claro que o giro financeiro resultante dos negócios com residências e pequenos estabelecimentos é menor se comparado aos grandes consumidores. Mas quem atende aos gigantes também pretende dar atenção aos nanicos. É o caso da Enron, a maior comercializadora de energia do mundo, que desde novembro mantém um site para transações online nos Estados Unidos. James Bannantine, o principal executivo da companhia para a América do Sul, reconhece que o peso do mercado residencial ainda é muito pequeno dentro do negócio. “Isso deve se repetir no Brasil”, avalia, ressaltando que não descarta esse público. De olho no mercado, o site da Enron está sendo, inclusive, traduzido para o português.

Outra que prepara novidades é a Companhia Paranaense de Energia Elétrica (Copel), que coloca no ar nas próximas semanas sua página na Internet para venda de energia no atacado. Ingo Hubert, presidente da estatal, avisa aos concorrentes que a empresa vem correndo de “velas infladas” para se antecipar às novidades. Em Curitiba, a Copel testa o uso de medidores pré-pagos de energia, que funcionam com cartão magnético recarregável em bancas de jornais. “Isso facilita a vida do usuário, além de reduzir custos. Emitir contas mensais é uma operação caríssima”, afirma. Esse ganho, segundo Hubert, tende a ser repassado para o consumidor, que pagará menos para manter a luz acesa.

Epelbaum, do Morgan Stanley, aponta a Copel como uma das empresas mais bem preparadas para disputar o novo mercado. Ao lado dela está a Eletropaulo Metropolitana, que atua na Grande São Paulo. Como aspecto favorável à companhia paulista, o executivo destaca o fato de ela atender à região mais rica do País. Também pesa a seu favor a possibilidade de ter o controle assumido integralmente pela AES, empresa americana que hoje divide o comando da Metropolitana com a Electricité de France (EDF). A AES é a maior geradora de energia do mundo e uma das pioneiras no comércio virtual do produto, atendendo a 54 milhões de pessoas em diversos países. Com um mercado potencial de mais de 160 milhões de habitantes, o Brasil se prepara para se ligar nesta rede.