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GUERRA A população é refém nos conflitos. Morrem mais jovens no Rio do que no Iraque

Logo após ser assaltada no Rio, em dezembro, a ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), teria questionado, num desabafo: “Como é que as pessoas conseguem viver nessa cidade?” A ministra mais tarde desmentiu a frase. A questão que ela insere, porém, explode diariamente na cara do carioca. Ela expõe uma das características mais perversas da violência no Rio: a adaptação ao horror, a aceitação do absurdo. Apenas na terça-feira 17, foram 26 mortes, sendo quatro vítimas inocentes de balas perdidas, nove homicídios e 13 assassinatos no Morro da Mineira, em Catumbi, durante intenso tiroteio entre traficantes e policiais. Armados com pistolas, fuzis e granadas, os criminosos das facções Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA) disputavam pontos-de-venda de drogas. Foram quase dez horas de balas voando em locais movimentados. Um passageiro de um ônibus foi atingido na cabeça, mas sobreviveu. Crianças que iam para a escola corriam desesperadas. O túnel Santa Bárbara – que liga o centro a Laranjeiras, na zona sul – foi fechado. Um cemitério foi invadido por bandidos e policiais, e os velórios, interrompidos. Um inferno se instalou no Rio. De novo.

No dia seguinte, mais tiroteio na favela Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, zona sul, novamente entre traficantes e a polícia. Dessa vez, sem mortos nem feridos. Ocupado pela Polícia Militar, o morro da Mineira tentava retomar a rotina. Um morador, assustado, pergunta: “Onde está o plano do governador para combater os criminosos?” Acuado, Sérgio Cabral respondeu na quarta-feira 18: “A população está assustada, mas satisfeita em ver a polícia agindo e combatendo o crime.” Na esteira, Cabral aposta na ajuda das Forças Armadas que pediu ao governo federal. O governador, no entanto, afirma que eles não atuarão diretamente no confronto com os bandidos. Em parte, foi desmentido pelo ministro da Defesa, Waldir Pires: “As Forças Armadas, em determinados momentos, podem ser empregadas para garantir a lei e a ordem. Cabe ao presidente decidir isso.”

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DIA DE PÂNICO Até velórios foram interrompidos pelo tiroteio da terça-feira 17

Para o pesquisador da violência e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o sociólogo Inacio Cano, “o Exército mexe com o imaginário das pessoas, que podem se sentir mais seguras, mas não vai resolver o problema da criminalidade e pode acarretar mais risco para a população”. Ele diz que o uso da Força Nacional pode ser “eventualmente bom”, mas lembra que “o Exército é treinado para destruir o inimigo, e não para defender populares”. Essa também é a opinião do cientista político do núcleo de Estudos da Violência da USP, Paulo de Mesquita Neto. “Não conheço caso onde o emprego do Exército tenha ajudado a melhorar a segurança pública.” Ambos consideram que o melhor caminho é fortalecer as polícias do Estado, acabar com a corrupção que sustenta o crime organizado, controlar as armas de fogo e criar um projeto que garanta educação, trabalho e saúde para os jovens das comunidades carentes, que são os grandes protagonistas da violência.

Na mesma semana passada, o Washington Post publicou pesquisa dizendo que a violência do Rio mata mais jovens do que a guerra oficial no Oriente Médio. Entre 2002 e 2006, morreram 729 menores lá e 1.857 aqui. A suposta adaptação do carioca ao permanente estado de guerra é parcial. “As pessoas saem menos, desconfiam umas das outras, gastam muito em segurança privada e, o efeito mais catastrófico, apóiam propostas conservadoras para combater a violência”, como disse Cano, referindo-se à pena de morte. A violência tem um custo econômico, individual e social excessivamente alto. O Rio se pergunta: até quando terá que pagar?