Reprodução -  Divulgação  -   Atlantide Phototravel/Corbis

AREJADA Fachada da Galeria Uffizi (acima), que foi preservada da intervenção arquitetônica, a tela Carità romana (abaixo),
nova no acervo, e o nascimento de Vênus, de Botticelli, que vai ficar numa sala especial do projeto previsto para acabar em 2012

Geralmente propensos ao mau humor e a empinar o nariz quando o assunto é cultura, e ninguém pode negar que de fato eles são um dos principais berços culturais do mundo, os parisienses torceram justamente ele, o nariz, para a pirâmide de vidro que o arquiteto chinês I. M. Pei projetou em 1989 para a nova entrada do Museu do Louvre ? uma instituição tão arraigada no caráter nacional da França quanto a baguete e o brioche. Troque-se o nariz pela gesticulação mais que excessiva dos italianos, outro povo que também é marco cultural, e tem-se uma situação similar em Florença. Lá, a indignação é com as reformas da Galeria Uffizi, que para os italianos tem o mesmo peso de orgulho pátrio que o Louvre tem para a França. Morada da maior coleção de arte renascentista do mundo, com obras-primas de Botticelli, Cimabue, Da Vinci, Michelangelo, Giotto, Raphael e Caravaggio, a Galeria Uffizi funciona num prédio do século XVI que, vale frisar, por si só já é um monumento. Construído em forma de ferradura pelo arquiteto italiano Giorgio Vasari em 1560 a mando do duque Cosimo I (família Médici), o Palazzo degli Uffizi vai ganhar escadas modernas, novas salas, elevadores e aquilo que para os florentinos (e italianos em geral) é o crime dos crimes: um pórtico em forma de trapézio na saída, que destoa totalmente das linhas elegantes da construção.

A direção do museu afirma que as reformas não visam apenas a aumentar o espaço expositivo, mas também proporcionar uma melhor experiência estética ao visitante. Ou seja: ao ampliar uma área de seis mil metros quadrados para 13 mil metros quadrados, as salas ficarão mais arejadas e as obras mais agradáveis aos olhos. Na primeira fase da reforma, já em curso, o segundo andar ficará com a arte anterior ao século XVI, reservando uma área especial para a coleção de Botticelli, com destaque para Primavera e O nascimento de Vênus. Apesar de esse andar do prédio abrigar a coleção privada dos Médici desde 1581, o edifício (onde ficava a parte administrativa do governo, uffizi em italiano) não foi concebido para ser um museu ? mas suas paredes, de generoso pé-direito, costumam receber às vezes até três fileiras de quadros. Atualmente o seu acervo permanente soma 1,2 mil obras. Com a expansão, vai receber mais 800 que estavam ?escondidas? na área chamada ?reserva técnica?, um tesouro que inclui telas como Carità romana (Bartolomeo Manfredi) e Davi com a cabeça de Golias (Guido Reni) ? peças até então acessíveis apenas aos estudiosos da arte renascentista.

Para o turista em geral a melhor notícia é que, finalizadas as reformas, também se acabarão as longas filas de acesso, já que a capacidade diária de acolhimento de público saltará de cinco mil para oito mil visitantes. Levando-se em conta que o preço do ingresso é de 6,5 euros (R$ 18), dá para imaginar o impacto da mudança no caixa do museu. Fonte de receita considerável, o turismo cultural na Itália ainda não se modernizou a contento se comparado ao circuito de museus parisienses (Louvre e Museu D?Orsay, entre outros) e ao chamado ?triângulo artístico? de Madri (Museu do Prado, Reina Sofia e Museu Thyssen-Bornemisza). Para apertar o passo, o Ministério da Cultura italiano tem na pauta a reforma da Academia de Brera, em Milão, e da Galeria da Academia de Veneza. Vencer a resistência da população, no entanto, exige das autoridades um verdadeiro malabarismo. No caso da Galeria Uffizi, cuja reforma está orçada em 56 milhões de euros (cerca de R$ 151 milhões) com previsão de acabar em 2012 (sete anos de atraso), as reações são as mais passionais e apaixonadas ? bem ao estilo italiano, é claro. O principal motivo da revolta é o pórtico projetado pelo arquiteto japonês Arata Isozaki, a tal saída em forma de trapézio que o cineasta Franco Zefirelli chama de ?espreguiçadeira? e o crítico de arte Vittorio Sgarbi apelidou de ?estrado de madeira? e ?lata de sardinhas?. Autor do projeto do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, Isozaki bateu na concorrência pesos pesados como Mario Botta, Norman Foster, Frank O. Gehry e Jean Nouvel. Mas desde 1998 ele tem sido protagonista de uma novela que ainda renderá muitas críticas e muita polêmica.

O projeto original de Isozaki previa uma intervenção na entrada da galeria, só que os florentinos argumentaram que a construção atrapalharia a vista para o rio Arno ? referem-se a quem vem da deslumbrante Piazza della Signoria. Conseguiram assim que a intervenção fosse transferida para o fundo do museu. Ainda não satisfeitos, eles têm destruído sistematicamente os tapumes usados para esconder o guindaste amarelo de 50 metros, já em funcionamento. Esse tipo de resistência vem desde os anos 60, quando pela primeira vez se falou na ampliação da galeria. No auge da polêmica, quem sofre é Isozaki. Os florentinos, implacáveis, o chamam apenas de ?o japonês?. .