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Assista ao trailer do filme 

Como num pesadelo, um homem acorda num ambiente estranho, passa a ser tratado como se fosse outra pessoa e é acusado de coisas que nunca fez. Esse pequeno entrecho poderia servir de sinopse a um romance como “O Processo”, de Franz Kafka, ou a filmes de Alfred Hitchcock, mas aconteceu na realidade com um violinista nos EUA em 1841. Ele se chamava Solomon Northup, era um negro nascido livre numa família emancipada do Norte e, da noite para o dia, começou a ser tratado – intencionalmente, e não por acidente – como um escravo fugido da Louisiana. Sequestrado e vendido por um mercador, ganhou outro nome e foi mandado para os campos de trabalho forçado do sul do país. Viveu com a identidade trocada até conseguir provar que era dono de seu corpo e de seu destino. Sua história chegou aos dias de hoje porque Northup a narrou em “12 Anos de Escravidão”, livro de memórias que deu origem ao filme homônimo, com estreia na sexta-feira 21.

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MERCADORIA
Northup (Chiwetel Ejiofor) é entregue a um mercador:
a submissão como forma de sobrevivência

A confirmar o favoritismo, o cineasta inglês Steve McQueen (que é descendente de escravos de Granada, no Caribe) pode ser o primeiro negro a ganhar um Oscar de melhor diretor. As chances também são boas para os atores Chiwetel Ejiofor (que interpreta Northup), Lupita Nyong’o (Patsey, uma escrava explorada sexualmente) e Michael Fassbender (o rigoroso e torturado fazendeiro Michael Epps) – o filme concorre, ao todo, a nove estatuetas. Apesar desse reconhecimento, favorecido pelo governo de Barack Obama, o drama histórico não vai bem na bilheteria americana. Faturou apenas US$ 47 milhões, o que não deixa de ser um sintoma de que o tema ainda não foi bem digerido no país. A ideia do filme, aliás, foi do próprio McQueen, que vinha pensando numa trama parecida e a expôs a Brad Pitt quando ele o procurou para uma parceria em sua produtora Plan B (Pitt faz uma ponta na trama, como um abolicionista canadense). McQueen queria tratar a escravidão sob o ponto de vista da vítima e, mais ainda, a partir da experiência de um negro já nascido livre. O livro de Northup, obviamente, caiu como uma luva, mas até então ele não sabia de sua existência: quem lhe apresentou a obra foi a sua mulher, a historiadora Bianca Stigter, que a descobriu pesquisando o tema. “Li o livro como se fosse um roteiro de cinema, pronto para ser filmado. Pareceu-me tão importante quanto ‘O Diário de Anne Frank’”, escreveu McQueen no prefácio da edição brasileira, que sai pela Companhia das Letras (existe outra sendo lançada pela editora Seoman).

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INVERSÃO
O fazendeiro Epps (Michael Fassbender) e a escrava
Patsey (Lupita Nyong’o), por quem se apaixona: escravo do desejo

Com seu estilo seco, o diretor inglês conhecido pelos “filmes de arte” “Hunger” e “Shame” rodou esse enredo sem cair no sentimentalismo
e no tempo recorde de 35 dias. Acusado de pesar a mão na crueldade com que os escravos foram tratados, ele diz que o realismo era necessário.

Uma cena mostra Northup sofrendo um castigo que remete a torturas contemporâneas: enforcado e dependurado numa árvore, ele se mantém nas pontas dos pés para não morrer asfixiado. Ao fundo, crianças brincam.

O plano-sequência dura quase quatro minutos. “É uma tortura física e mental. Mostrá-la pode ser perverso, mas o mundo é perverso”, disse ele.

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Fotos: Divulgação