14/02/2014 - 20:50
Nem os tijolos aparentes e a grande quantidade de poeira conseguem encobrir o estilo majestoso do restaurante e teatro Grill do Cassino da Urca, no bairro de mesmo nome, no Rio de Janeiro. O lugar, de 578 m², faz parte de um passado elegante da cidade, época em que nasceu o gênero musical brasileiro e diversas estrelas foram lançadas à fama. Em meio a obras de restauro do teatro, o belo mezanino em estilo art déco resiste com seu corrimão em curva. O Grill era a principal inovação do Cassino da Urca, exemplo máximo de glamour carioca na década de 1930. Além da jogatina – que atraía a alta sociedade, inclusive o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) –, brilhavam no palco as vedetes, como Virgínia Lane (leia mais ao lado), em espetáculos grandiosos. Com a proibição dos jogos de azar no País, em 1946, os prédios viraram sede da TV Tupi e se descaracterizaram. Agora, estão sendo restaurados e o primeiro deles, onde ficava o cassino propriamente dito, abre as portas no fim de março, com novas funções. Suas salas serão destinadas a cursos de pós-graduação da unidade carioca do Istituto Europeo di Design (IED).
ERA DE OURO
O Cassino da Urca atraía a alta sociedade carioca nos anos 1930 e 1940.
Abaixo, a reforma do teatro, que termina em 2016
Os futuros alunos dos cursos de design, moda e comunicação visual estudarão em salas envolvidas pelo cheiro da maresia, já que o belo conjunto arquitetônico fica na praia, sobre a areia. Não há mais nada que lembre os tempos de jogatina. Mobiliadas com peças modernas e computadores, as salas têm o perfil de centros contemporâneos. “Quando trouxemos o presidente do IED, Francesco Morelli, aqui, ele disse que estávamos loucos em querer instalar uma escola nessas ruínas. Mas, como é um apaixonado pelo Rio, adorou a proposta”, explica Fabio Palma, diretor da unidade carioca.
Em março começa a segunda fase do projeto, que prevê a revitalização da fachada e do interior do prédio do teatro, cuja conclusão está prevista para 2016. Foi nesse teatro que a portuguesa Maria do Carmo colocou seu turbante de frutas e se tornou a brasileiríssima Carmen Miranda (1909-1955). As coxias guardaram em segredo algumas das brigas de Herivelto Martins (1912-1992) e Dalva de Oliveira (1917-1972), cantadas em música. Grande Otelo (1915-1983), no começo de carreira, teria aturado alguns olhares atravessados por ser negro em um lugar que exalava luxo.
NOVO
O espaço onde funcionava o cassino abriga a partir de março um curso
de pós-graduação do Istituto Europeo di Design, dirigido por Fabio Palma
“Vamos preservar essa história e arquitetura, mas o teatro certamente será diferente porque não comporta muita gente”, explica Palma. A ideia é tornar o local, que já recebeu Orson Welles (1915-1985) e acolheu o “Cassino do Chacrinha”, um auditório flexível, sem poltronas fixas, que poderá sediar seminários, exposições, espetáculos teatrais e concertos de pequeno porte. Segundo Palma, o instituto ainda pretende montar uma exposição permanente com a história do Cassino e da TV Tupi e receber uma parte do acervo do Museu Carmen Miranda.
A reforma vem em boa hora. “O teatro era um palco sagrado para a música brasileira e agora suas paredes estão caindo e oferecem risco para os passantes”, alerta Ricardo Cravo Albin, musicólogo e morador da Urca. A Associação de Moradores do bairro, que também abriga o Pão de Açúcar, entrou com uma liminar na Justiça para restringir o movimento no novo cassino, e o Ministério Público do Rio embargou a obra em 2010. “O fluxo de trânsito vai ser o maior problema”, preocupa-se Celi Paradela, vice-presidente da associação. O acordo firmado entre o IED e a Prefeitura do Rio, em 2006, visa à cessão do espaço com isenção de aluguel e de IPTU por 50 anos. Em troca, deve ser feita a restauração e a gestão do local. Com o atraso, a restauração extrapolará o orçamento inicial, previsto em R$ 17 milhões.
Fotos: Bruno Poppe/Ag. Istoé; Divulgação