24/01/2014 - 20:50
Criança e cinema sempre se deram muito bem – que o diga o cineasta americano Steven Spielberg, em cuja lista de sucessos pontuam títulos como “E.T. – o Extraterrestre” e “O Império do Sol”. A explicação mais óbvia é que a identificação do espectador com enredos centrados na infância mostra-se imediata. Na tentativa de maior adesão à história, o apelo a esse tipo de personagem revela-se mais eficiente quando o fato narrado envolve um drama em si mesmo incompreensível aos olhos da criança. Nesse caso, o próprio choque entre a inocência do protagonista e a dura realidade que o rodeia é o que cativa na trama. Tome como exemplo “A Menina Que Roubava Livros”, em cartaz na sexta-feira 31, baseado em um best-seller já testado segundo a mesma fórmula.
EVASÃO
Por meio da leitura, Liesel (Sophie Nélisse) embeleza a realidade
O filme de Brian Percival, diretor de alguns episódios da fabulosa série “Downtown Abbey”, mostra como uma menina adotada por uma família contrária à máquina de extermínio nazista consegue manter a cabecinha inteira após reveses sucessivos. A sua tragédia – e das pessoas à sua volta – poderia ter sido mostrada por meio de adultos. Envolve mais sendo ela uma pré-adolescente.
Pode-se, com razão, argumentar que esse recurso é antigo e está na raiz de um certo tipo de melodrama. Mas a sua retomada recente tem nova faceta, pois envolve uma produção literária feita já pensando o cinema – ou que usa de técnicas próprias da narrativa cinematográfica. O filão é extenso, mas, para ficar apenas nos exemplos recentes, podem ser lembrados os longas “O Menino do Pijama Listrado”, sobre a amizade de um garoto de classe média alta e um menino judeu, encerrado em um campo de concentração vizinho à sua casa de campo; “O Caçador de Pipas”, encerrando outra amizade entre crianças de classes sociais diferentes, só que agora no Afeganistão; e, de certa forma, “As Aventuras de Pi”, narração de como um menino sobreviveu em um barco em alto-mar. Todos são baseados em best-sellers e tratam de assuntos dramáticos pelo viés da camaradagem, com um vai e vem na narrativa. Num belo artigo sobre esse tipo de literatura – e de filme, por consequência – a escritora americana Dana Sachs, de ascendência judia, conta como os jovens – seu filho inclusive – não têm paciência para ler “O Diário de Anne Frank”, mas se comovem com a história de Liesel, protagonista de “A Menina Que Roubava Livros”. Ela furtava romances na biblioteca do prefeito da cidadezinha onde foi morar, e assim conseguia esquecer o pesadelo que vivia e ainda amenizar a dor de um perseguido do nazismo, escondido no porão de sua casa. Mas não é exatamente isso o que faz o cinema?
Fotos: Jules Heath; Jason; Reprodução