Com as credenciais de quem teve um papel reconhecido durante os protestos de junho de 2013, quando ajudou a tirar o Planalto de uma crise que assumia dimensões apocalípticas, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, assume o posto de ministro-chefe da Casa Civil para cumprir funções essenciais do governo Dilma Rousseff. Programando um inevitável afastamento dos afazeres diretos de governo para dedicar-se à campanha pela reeleição, Dilma convocou Mercadante para fazer uma espécie de revezamento.

01.jpg
O DIA “D”
Ascensão de Aloizio Mercadante para a Casa Civil foi definida
em reunião na segunda-feira 20, em que estavam presentes
a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula

Enquanto a presidenta irá percorrer o País para discutir alianças e pedir votos, Mercadante ficará em Brasília para assumir o papel de “gestor do governo,” num cargo que tem armadilhas que ajudaram a derrubar um dos principais dirigentes do partido, José Dirceu, mas também oferece oportunidades que transformaram Dilma Rousseff na sucessora de Luiz Inácio Lula da Silva sem que ela tivesse vencido sequer uma eleição de síndico. Chamado, até agora, para participar de reuniões da Coordenação da Campanha, abandonará as funções eleitorais para preocupar-se com o governo em regime de dedicação exclusiva. Se a reforma ministerial inclui ministros que só devem permanecer em seus cargos até a eleição, permitindo novas nomeações caso Dilma seja reeleita em outubro, Mercadante entrará na Casa Civil para permanecer durante um eventual segundo mandato.

Enfeitado com o adereço de Superministro antes mesmo que sua nomeação fosse anunciada oficialmente, o que deve ocorrer nos próximos dias, Mercadante rejeita o apelido. Mais: o considera uma grande asneira. Em 40 anos de vida pública, aprendeu que um ministro que pretende ser maior do que os outros passa a disputar poder com quem tem o direito de assinar sua carta de demissão – a presidenta da República.

chamamada.jpg

02.jpg

É certo, porém, que Mercadante terá mais poderes do que, por exemplo, a senadora Gleisi Hoffmann, antecessora de menor estatura política, sem autonomia nem poder de decisão, sempre sob as asas da presidenta. Na vida cotidiana, a Casa Civil ocupa o centro do governo. É a porta de entrada do gabinete presidencial, por onde passam todas as sugestões relevantes que serão levadas à presidenta e de onde saem as decisões mais importantes que irão afetar a vida dos 200 milhões de brasileiros. Nessa posição, Mercadante nada fará que possa ser visto – nem sequer interpretado – como um arranhão à autoridade de Dilma. Por essa razão, rejeitou todos os pedidos de entrevista antes de a nomeação ser oficializada. Mesmo instalado em dependências da Casa Civil, no Planalto, consultando documentos e abrindo pastas para conhecer as novas funções, também evitou fotografias no novo ambiente, postura que trai a lição aprendida por Fernando Henrique Cardoso ao sentar-se na cadeira de prefeito de São Paulo que lhe seria tomada por Jânio Quadros nas urnas de 1985. 

Frequentemente criticado por sofrer de uma doença chamada vaidade excessiva, e até por uma postura considerada autossuficiente demais, no novo cargo Mercadante será submetido a testes frequentes de contenção e disciplina. O mundo político é formado por homens e mulheres que acima de tudo gostam de Poder com inicial maiúscula, mercadoria que se disputa palmo a palmo, 24 horas por dia, nos 365 dias do ano. Nesse universo, é fácil confundir “contribuição” com “intromissão”, e até mesmo “ajuda” com “arrogância”. Boas intenções, frequentemente, são confundidas com intrigas e planos maquiavélicos. Na Casa Civil, caberá a Mercadante encontrar a fronteira certa.

Embora  ele tenha conhecido Dilma no final da década de 1970, quando ambos estudavam pós-graduação no curso de economia da Universidade de Campinas, a razão principal para a nomeação de Mercadante encontra-se em junho de 2013, naquelas semanas da vida brasileira em que as grandes cidades viviam um ambiente que ora lembrava uma insurreição popular, ora uma epopeia de ficção científica. Na ocasião, Mercadante foi um dos – poucos – ministros capazes de fazer a diferença num governo que oscilava entre a desorientação e a paralisia. Contribuindo para formular um conjunto de cinco pontos que ajudaram a aliviar a tensão social e baixar a temperatura política, seu prestígio interno cresceu na mesma proporção em que os índices de aprovação da presidenta voltaram a subir.

Ele deu contribuições na reforma política, fez o arremate final no programa Mais Médicos e também no esforço para levantar recursos para investimentos atrasados em metrô e corredores de ônibus. Também negociou a parcela de royalties do pré-sal que irá financiar a educação. Recebidas com ironia e pouco caso, as propostas tinham um eixo central – “conversar com as ruas” – e revelaram a disposição para correr riscos numa hora em era mais confortável fazer críticas em voz alta e esconder-se embaixo da mesa até a tempestade passar. Mercadante já tinha recebido notas favoráveis, na avaliação presidencial, pelo trabalho na Ciência e Tecnologia, ministério que recebeu por influência de Lula. Em sua passagem pelo Ministério da Educação, recebeu muito mais elogios do que críticas por parte de Dilma, que desde então devota às suas ideias e opiniões uma atenção que poucos ministros recebem. Com leituras econômicas da mesma biblioteca que as da presidenta, e pensamento político com grandes semelhanças, também, há muito tempo Mercadante conquistou o direito de falar sobre assuntos que vão muito além de suas pastas. Esse é, na verdade, seu trunfo principal.

03.jpg

É sintomático que, ao buscar liberar-se das tarefas presidenciais para dedicar-se mais à campanha, Dilma tenha escolhido Mercadante como “gestor do governo”. Nas projeções sobre a campanha eleitoral, o governo reserva suas maiores cautelas para aquele movimento imprevisível e sempre ameaçador dos protestos de rua. Inspirados pela Copa do Mundo, por problemas de ônibus, por rolezinhos de shopping ou qualquer outro fator que possa transformar uma faísca num incêndio, esses movimentos representam uma pesadelo muito maior, hoje, do que os adversários nominais do governo. Em junho de 2013, a aprovação de Dilma, então superior a 65%, derreteu em poucas semanas de protestos. Hoje com 40% de intenções de voto, ninguém sabe o que irá acontecer, caso venham a ocorrer mobilizações com a mesma envergadura nos meses anteriores à eleição. Se isso acontecer, Mercadante estará em seu novo lugar no Planalto.

Fotos: Adriano Machado,Andris Bovo/ABCDMAIOR