29/03/2000 - 10:00
Um chip do tamanho de uma caixa de fósforo condensa as esperanças de neurologistas e deficientes físicos do mundo todo. O implante de um conjunto de eletrodos e do pequeno equipamento eletrônico no organismo do francês Marc Merger, 39 anos, paraplégico há dez, fez o paciente andar por breves minutos diante de uma atônita platéia de médicos europeus. Os pesquisadores do projeto Levante-se e Ande, responsável pela experiência, acreditavam que ficar de pé já era uma importante vitória. Mas o resultado obtido mostra que é possível recuperar os movimentos motores, ainda que em situações especiais. Merger manteve seus músculos ativos desde o acidente de carro que em 1990 provocou o rompimento dos nervos de sua coluna.
Os primeiros passos do francês, um ex-diretor de banco, foram dados na sexta-feira 17. Ele foi operado em fevereiro por uma equipe coordenada por Pierre Rabischong, do Instituto Propara, um centro de tratamento para deficientes em Montpellier, na França. No começo, Merger conseguiu ficar de pé por dois minutos e meio. Depois de muitas sessões de treinamento, chegou a se sustentar por seis minutos. Quando finalmente caminhou, de modo vacilante e com auxílio de um andador, os médicos ficaram sem palavras. “Espero poder andar na minha casa dentro de seis meses”, declarou, emocionado.
Para poder mexer as pernas, Merger recebeu, além do chip, um conjunto de eletrodos inseridos em músculos e nervos. O microprocessador emitiu estímulos elétricos para essas regiões, uma tarefa realizada pelo sistema nervoso que, no caso de Merger, foi afetada no acidente. Os estímulos funcionam como ordens para a contração dos músculos. A novidade vai precisar de tempo para ser adotada em outros centros. Isso porque a técnica requer o uso de transmissor, computador e controle remoto para a execução dos movimentos. O projeto europeu procura desenvolver um mecanismo menor para poder ser utilizado mais facilmente pelo próprio deficiente. Apesar do resultado, Rabischong diz que a experiência ainda não é a resposta terapêutica a todas as lesões como a de Merger. Por enquanto, só podem ser recuperados aqueles que não desistiram da fisioterapia e apresentam músculos sadios. “Quando ocorre a secção do nervo, o músculo deixa de receber o estímulo e reagir às proteínas contráteis. Se não houver movimento das articulações, a tendência da musculatura é enrijecer”, explica Milberto Scaff, professor titular de neurologia clínica da Universidade de São Paulo.
Ele lembra que desde o ano passado trabalha-se com programas de computadores que geram estímulos. “O que se conseguiu agora é quase um milagre. Tão importante quanto o passo motor, é o passo científico que nos leva a pensar em recuperar outros movimentos, como o da mão, e sonhar em reabilitar a sensibilidade do paciente”, analisa. De fato, a curta caminhada de Merger resgata esperanças. “Ela serve de alento a muitas pessoas que vivem situações parecidas. Gente que pensa que não melhora apesar da fisioterapia”, afirma Mirto Prandini, chefe de neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo. Atrás desse sonho, já estão um francês e dois italianos, candidatos aos próximos implantes do projeto europeu.