29/03/2000 - 10:00
O piloto Rubens Barrichello tem consciência da força do “parceiro vermelho” que o acompanha nesta temporada. A frase foi dita na manhã de terça-feira 21. “No Brasil, torcedor é fanático pelo piloto. Já o ferrarista, em todo o mundo, é apaixonado pela Ferrari. Não importa quem esteja guiando o carro.” O brasileiro, que descobriu a emoção das pistas na década de 70, com Émerson Fittipaldi, e vibrou com o tri de Nelson Piquet, estava com os sentimentos adormecidos desde que Ayrton Senna, o terceiro desta linhagem nobre, parou na curva Tamburello, em Ímola, na tarde daquele 1º de maio de 1994. Nos últimos seis anos, Rubinho sentiu na pele a responsabilidade de trazer alegrias para os órfãos de um gênio, mas, em 2000, as coisas começaram de forma diferente. A Ferrari, a máquina escarlate que assume dimensões humanas na devoção religiosa de seus seguidores, proporcionou ao “parceiro” Rubinho o prazer inédito de desfrutar da confiança e do carinho de uma torcida. Além de agradar o admirador comum, o piloto precisará afagar a alma da legião de apaixonados pelos bólidos decorados com o cavallino rampante. Uma idolatria que vai muito além dos cerca de 50 mil donos de modelos fabricados pela casa italiana de Maranello, fundada em 1947 por Enzo Ferrari. Um mundo vermelho, formado por entusiastas brasileiros e 600 fã-clubes espalhados pelo mundo. “A Ferrari, na ótica dos apaixonados, é quase um ser humano, tem um ronco sexy”, define o empresário Piero Gancia, representante da fábrica no Brasil e presidente do Ferrari Club, um grupo de 120 ferraristas que se reúne mensalmente em São Paulo.
Humanizadas pelos seus devotos, as Ferraris sempre souberam o que é o amor. O empresário paulistano Francisco Coelho rodou exatos 3.712 quilômetros desde que comprou sua Dino 246 GTS ano 74, há 19 anos. Uma vez a cada seis semanas, a Dino sai para um passeio rápido, sempre à luz do dia. Passageiros usando calças com tachas no traseiro não entram no carro. Abrir e fechar as portas, mexer no porta-malas e regular espelhos são tarefas reservadas ao dono. Ele lava a jóia rara com algodão e exige que o acompanhante “não jogue a bunda” ao sentar. “Minha Dino jamais pegou uma gota de chuva”, admite Coelho, orgulhoso. Meses atrás, sua filha Mariana, 18 anos, perguntou se ele preferia a Ferrari a ela. A resposta, em tom irônico, deu a dimensão da importância do bólido para o empresário: “A Ferrari não me dá aborrecimento ou diz desaforos.” Coelho é um dos excêntricos clientes da Maranello, em São Paulo, a mais respeitada oficina especializada em Ferraris no País, chefiada pelo espanhol Manoel Pazos Torres, o Manolo. “Tem gente que não busca o carro na oficina se o tempo estiver instável”, conta o mecânico. “Acho a Ferrari um carro como outro qualquer”, desdenha. Manolo dedicou os últimos 35 anos ao reparo minucioso dos carros. O mais provável é que essa aparente indiferença também seja produto de uma certa excentricidade.
As importadoras autorizadas trouxeram cerca de 220 Ferraris para o Brasil desde 1970. Quatro delas estão em Brasília. Uma das raridades está na garagem do empresário Antônio Carlos Lopes. Em meio a uma coleção de 25 carros antigos, reina a menina dos olhos do empresário, uma Dino ano 71 com 49 mil quilômetros rodados. O carro está avaliado em US$ 110 mil. “Mas a minha não tem preço”, descarta Lopes. “Quem tem dinheiro gosta de Ferrari nova. Quem tem bom gosto ama as antigas.”
Daniel Oliveira, 21 anos, também de Brasília, pensa de forma diferente. Depois de passar os olhos em algumas BMWs e Porsches, o estudante, filho do empresário Ulysses Canhedo, pediu ao pai uma Ferrari. Ganhou uma F355 Spider F1, avaliada em US$ 335 mil. “Só de seguro, pago R$ 48 mil por ano. Mas vale a pena. As meninas gostam do ronco do motor.” Outro proprietário de uma F355 Spider, o advogado paulistano José Eduardo Campanella, foi obrigado pelo diretor de tevê Wolf Maia, seu anfitrião no último réveillon, no Rio de Janeiro, a colocar seu torpedo amarelo no jardim da casa. Aos primeiros rojões do novo ano, a turma gritou: “Que em 2000, todos tenham uma Ferrari!” O feitiço pode seduzir pessoas tão diferentes como o empresário Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, e o craque Ronaldinho, da Inter de Milão. Pih tem quatro exemplares na garagem, entre eles a única das 349 F-50 que veio para o Brasil. É uma máquina dos sonhos, construída a partir de um carro de F-1, capaz de atingir 325 km/h. Lançada para comemorar os 50 anos da marca, está avaliada em US$ 1,4 milhão. Ronaldinho, que já tem uma Ferrari na Itália, comprou no ano passado, em São Paulo, uma F355 F1 Berlinetta, cotada em US$ 320 mil. As repercussões da compra do segundo brinquedo foram negativas e o jogador decidiu leiloar o carro em um site. O lance inicial deverá ser de R$ 500 mil.