15/03/2000 - 10:00
Condição estável, com sinais de recuperação física e emocional.” Este foi o boletim médico sobre o estado de saúde do ex-ditador Augusto Pinochet Ugarte, 84 anos, anunciado em Santiago na quarta-feira 8. De fato, quatro dias antes, ao desembarcar na capital chilena depois de passar 503 dias em prisão domiciliar em Londres, o velho general parecia lépido e faceiro. Poucos diriam que ele estava “mentalmente incapacitado” – alegação do governo britânico para recusar sua extradição para a Espanha, onde seria julgado por crimes cometidos durante a ditadura chilena, entre 1973 e 1990. Pinochet parecia tão bem que levantou da cadeira de rodas assim que desceu do avião para abraçar parentes, amigos e confrades fardados, entre eles seu sucessor no comando do Exército, o general Ricardo Izurieta. Um homem bem diferente daquele ancião alquebrado e doente que as poucas imagens registraram dele na capital londrina. A recepção calorosa das Forças Armadas irritou o governo chileno, que havia pedido à cúpula militar que evitasse manifestações explícitas de apreço ao antigo chefe.
O fato aumentou a pressão para que Pinochet seja julgado no Chile. Na segunda-feira 6, o juiz Juan Guzmán pediu a suspensão da imunidade parlamentar que o general goza como senador vitalício. O Conselho de Defesa do Estado (promotoria) do Chile decidiu juntar-se ao processo do juiz contra o general Sergio Arellano Stark, que comandou um episódio que ficou conhecido como “Caravana da Morte”, principal base do pedido para a suspensão da imunidade do ex-ditador. Trata-se de um massacre perpetrado pelo Exército chileno contra dezenas de opositores em outubro de 1973, um mês depois do golpe que levou os militares ao poder. Como grande parte dos corpos daquele massacre não foi encontrada, o juiz Guzmán considera que o caso não pode ser coberto pela lei de anistia que o regime se autoconcedeu em 1978, beneficiando os oficiais acusados de violações contra os direitos humanos. Só entre segunda-feira 6 e terça-feira 7, 12 denúncias de assassinatos aumentaram o número de vítimas da Caravana da Morte para 72 pessoas. Neste caso, a participação de Pinochet está bem documentada pelo mandato que ele deu por escrito ao general Sergio Arellano Stark.
Segundo o jornal argentino El Clarín, o Exército chileno vem preparando há meses uma estratégia para evitar o julgamento de Pinochet. Os oficiais envolvidos na Caravana da Morte resolveram confessar que “sua missão foi matar e que não deveria ficar ninguém vivo”. Longe de ser sinal de arrependimento, essas confissões têm a intenção de enquadrar os crimes na lei de anistia. A decisão sobre a imunidade de Pinochet está agora nas mãos da Corte Suprema de Apelações, o mais alto tribunal do Chile. O socialista Ricardo Lagos, que no sábado 11 se tornará o terceiro presidente democraticamente eleito a assumir o poder no Chile depois da ditadura, começará o mandato com uma batata quente nas mãos.