O timorense José Ramos Horta tem a aparência de
um professor de Matemática da velha guarda. Os cálculos de Ramos
Horta, porém, são da ordem política. Ele é o líder
exilado do movimento de independência do Timor Leste, que em 1996 dividiu
o Prêmio Nobel da Paz com o bispo Carlos Belo – figura de proa no combate
de injustiças no mesmo país. Enquanto Xanana Gusmão foi
o líder guerrilheiro, Ramos Horta é considerado o grande líder
civil do Timor. Na ONU, ninguém mais do que ele tem obtido melhores resultados
para o seu povo. Ramos Horta conseguiu convencer os países-membros do
Conselho de Segurança de que os massacres pelas ruas timorenses só
acabariam se houvesse uma força multinacional que pudesse garantir a
paz e a segurança no país. A seguir, a entrevista que Ramos Horta
deu com exclusividade a ISTOÉ.
 

 

 

ISTOÉ – O secretário-geral da ONU, Kofi Annan, ofereceu alguma esperança para o Timor Leste?

 

José Ramos Horta – Ele me confirmou que as forças indonésias no Timor Leste não vão ter nenhum papel na Força Multinacional. E vão se preparar para sair do território. Ele também me prometeu que visitará o Timor em breve.

 

ISTOÉ – O secretário Annan citou uma data para a retirada das forças indonésias?

 

Horta – A retirada deverá acontecer nas próximas semanas.

 

ISTOÉ – O comando das Forças Armadas da Indonésia parece ter perdido o controle sobre seus soldados no Timor Leste. Essas tropas vão resistir à retirada?

 

Horta – A chefia militar indonésia tem o controle das tropas. É um engano pensar que eles perderam este controle. No dia da visita dos membros do Conselho de Segurança da ONU, as milícias não atuaram e tudo estava calmo. No dia da votação – no plebiscito que decidiu pela independência timorense – nem as milícias nem os soldados indonésios atuaram. O general Wiranto (chefe das Forças Armadas da Indonésia) e os generais abaixo dele têm controle total sobre suas forças e as milícias.

 

ISTOÉ – Nem todos acreditam que as Forças Armadas do país estejam coesas. Analistas afirmam que há uma luta pelo poder no oficialato indonésio.

 

Horta – Talvez isso seja verdade. Porém, o responsável pela manutenção da paz no Timor Leste é o Estado indonésio. E se este Estado não existe, se o Estado não consegue cumprir com suas obrigações internacionais, então não pode exigir que a comunidade internacional respeite a sua soberania ou as suas suscetibilidades.

 

ISTOÉ – As tropas indonésias e o comando australiano não chegaram a um acordo?

 

Horta – Não sei nem quero saber qual é a posição do governo indonésio. Eu disse ao secretário Annan: os meus sentimentos com relação à Indonésia são iguais aos dos judeus em relação à Alemanha nazista. Eu não quero saber nada sobre acordos feitos em Jacarta. Para nós, autoridade indonésia não existe.

 

ISTOÉ – Qual foi o grande erro da ONU no Timor Leste?

 

Horta – O grande erro foi ter confiado nas autoridades indonésias.

 

ISTOÉ – Como é que o sr. vê a participação brasileira nestes episódios?

 

Horta – Positiva, mas modesta. O Brasil deveria ter tido uma posição mais ativa, de liderança, juntamente com a Austrália. Como um dos maiores países do mundo, e o maior país de língua portuguesa, o Brasil deveria ter tido uma intervenção muito mais de liderança.

 

ISTOÉ – Por que houve um êxodo forçado da população timorense feito pelos opositores da independência?

 

Horta – Foi um ato de vingança e também a ilusão estúpida de que talvez fosse possível substituir a população da cidade. Ou seja: eles pensavam em retirar as populações das cidades, para depois trazer outras populações da Indonésia, e com isso fazer outra eleição que apoiasse a manutenção do status quo. Esperavam repovoar boa parte do país com gente sua, para depois impor à ONU um novo referendo. Isso só cabe mesmo na cabeça destes animais selvagens, estúpidos indonésios. Pensavam que, como sempre agiram com arrogância e total impunidade, conseguiriam impor novamente a força. Fariam outro referendo, tendo como eleitores uma população indonésia. Isto é o indonésio, este macaco, este animal cuja inteligência é a inteligência de um macaco. Nós conhecemos essa gente: são brutos, são animais, não fazem nada com inteligência.

 

ISTOÉ – Depois da campanha destrutiva, o que sobrou da capital Dili?

 

Horta – Além das vidas humanas, não há mais nada a ser salvo. E não é só Dili, mas todo o país, que foi sistematicamente destruído.

 

ISTOÉ – Haverá resistência das milícias na chegada das tropas multinacionais?

 

Horta – Não, eles já fugiram para o outro lado da ilha. Alguns já se entregaram a Fantilil (as forças guerrilheiras de libertação do Timor Leste). Estes miseráveis, covardes, assassinos contra quem vão combater? Vão lutar contra as tropas internacionais? As únicas experiências que eles têm são as de destruir cidades e matar crianças e velhos. Nem contra a guerrilha eles se meteram.

 

ISTOÉ – E qual foi a atuação dos guerrilheiros nesse tempo todo?

 

Horta – Na zona da guerrilha, existem atualmente 100 mil refugiados. Aqueles que ali foram procurar refúgio estão salvos. Mas esta gigantesca população criou outros problemas. São problemas humanitários: é difícil alimentar, medicar e cuidar de 100 mil pessoas que chegaram num curtíssimo espaço de tempo. A guerrilha não tem condições para isso, não pode dar de comer à população. Mas a população ali será defendida de qualquer ataque.

 

ISTOÉ – Quanto tempo será necessário para normalizar a situação no Timor Leste?

 

Horta – É preciso primeiro parar o conflito. Depois fazer o repatriamento das populações e, paralelamente, criar instituições governamentais num governo de união nacional. Acredito que isso demore cerca de um ano.

 

ISTOÉ – Quando é que o sr. espera pisar no solo de seu país?

 

Horta – Francamente, não sei. Daqui a um mês ou dois. O Xanana Gusmão regressará em breve. É melhor que eu continue aqui fora, fazendo pressão contra a Indonésia.