08/09/1999 - 10:00
A indústria do turismo movimentou US$ 13,2 bilhões no País no ano passado. Poderia ter arrecadado mais. Só que até recentemente oito milhões de brasileiros não tinham acesso ao lobby do hotel. São portadores de deficiências físicas que não conseguem tocar a campainha da recepção porque nem sequer venceram os degraus da entrada. Como consumidores potenciais, têm a seu favor uma lei que obriga hotéis a adaptar 2% de suas acomodações às pessoas com deficiência, regulamentada no início do ano. Hoje, no País, apenas 10% dos dois mil hotéis acima de três estrelas atendem minimamente esse público, segundo o guia Hotelrom da Associação Desportiva para Deficientes. Mas, agora, a Embratur pretende reverter esse cenário e lança em outubro um manual de acessibilidade com normas técnicas para hotéis e pontos turísticos que define desde inclinação de rampas e quantidade de vagas nos estacionamentos até atendimentos em aeroportos e disposição das poltronas em ônibus e trens. "Está havendo uma mudança de consciência. O hotel que pode hospedar confortavelmente um hóspede com necessidades especiais, daqui a pouco tempo sentirá orgulho disso", diz Caio Luis de Carvalho, presidente da Embratur.
Uma amostra de que o setor está acordando para esse mercado foi a inclusão de um quarto completamente adaptado ao portador de deficiência física na Equipotel, maior e mais expressiva feira do setor hoteleiro, que aconteceu em São Paulo, na semana passada. No quarto, projetado pela arquiteta Maria Tereza Myre Dores, a porta de entrada é maior, tem 1,50m de largura. Os móveis estão encostados nas paredes para facilitar a locomoção. O banheiro possui barras de apoio em volta do vaso sanitário, no box e na pia. O espelho tem uma inclinação de dez graus, que permite à pessoa se olhar sentada. É equipado com despertador para pessoas cegas que fala a hora, telefone para surdos em que a pessoa escreve o que quer dizer no teclado de um computador e a mensagem é transmitida via telefonista, bloquinho com tábua braile para anotações e um baralho grande para quem tem pouca visão. "Alguns hoteleiros vieram me procurar para ajudar a fazer projetos e fui convidada para adaptar um quarto de motel, algo em que não se pensava há alguns anos", conta a arquiteta.
Berro no avião – A deputada Célia Leão (PSDB-SP), paraplégica há 25 anos e conhecida lutadora pelos direitos dos deficientes, já viajou muito. Mas para ela é mais fácil ser turista na Holanda que em seu próprio país. Até porque os hotéis que oferecem hospedagem especializada aqui são justamente os mais luxuosos. É o caso do Renaissance, o mais sofisticado de São Paulo e um dos poucos a prever uma acomodação adaptada desde a planta. "Os turistas deficientes não têm condições reais de participar desse espaço. Os hotéis mais simples são uma desgraça", afirma a deputada. O professor Ricardo Nakasato, 34 anos, surdo desde que nasceu, já passou por tantas situações constrangedoras, que aprendeu a ensinar os outros como tratá-lo. "Quando viajo de avião aponto o ouvido ou escrevo para dizer que sou surdo. A única vez que recebi um tratamento diferenciado foi na Inglaterra", conta. Dorina Nowill, 80 anos, criadora da fundação que leva o seu nome, cega desde os 17, gosta de visitar os museus. Em São Paulo, no Museu de Arte Moderna, onde as explicações das obras também estão em braile, ela pode tocar algumas esculturas. "Em museus onde não é permitido, vivo fugindo dos fiscais", brinca. Porém, o despreparo é evidente em outros casos. Dorina lembra que num vôo, quando a comida foi servida, a aeromoça, em vez de oferecer a refeição a ela, gritou para a sua filha que estava do outro lado do avião: "Diz para ela que a comida está pronta."