"Foi um passo atrás e dois passos à frente.” Assim o ministro dos Transportes da Áustria, Martin Schmidt, definiu a renúncia de Jörg Haider à liderança ao Partido da Liberdade (FPÖ, de extrema direita), ocorrida na segunda-feira 28. Segundo alguns de seus assessores, Haider vai se dedicar à província de Caríntia, da qual é governador, para transformá-la em um “cartão de visita” e assim concretizar sua ambição de se tornar chanceler (primeiro-ministro) da Áustria num futuro próximo. O próprio Haider, depois de confirmar que sua candidatura à chancelaria não está excluída com a renúncia, declarou, com uma ponta de ironia: “Quero evitar que nossos ministros sejam sempre confrontados com declarações que assinalem que, a cada decisão, têm de consultar o chanceler da sombra de Caríntia. Eles não são marionetes”, garantiu. Haider será sucedido na liderança do FPÖ pela fiel seguidora e atual vice-chanceler do país, Susanne Riess-Passer, 39 anos, conhecida como “rainha cobra” por representar a linha-dura do partido neonazista.
 

A entrada do FPÖ no governo austríaco, no último dia 4 de fevereiro, provocou uma onda de protestos na Áustria e levou a União Européia (UE) a congelar as relações diplomáticas com Viena. Haider, 50 anos, fez carreira com declarações bombásticas, elogiando as políticas sociais de Adolf Hitler, as SS (tropas de choque nazistas) e defendendo uma postura virulentamente antiimigração. Nas últimas eleições parlamentares, em 3 de outubro, o FPÖ conquistou 30% dos votos e no mês passado foi chamado pelo líder do Partido do Povo Austríaco (ÖVP, conservador), o atual chanceler Wolfgang Schüssel, para integrar o governo. Romperam-se, assim, quase 50 anos de coalizão entre social-democratas e conservadores moderados. Apesar de ser uma espécie de eminência parda do novo bloco de poder, o então líder do FPÖ não integrava formalmente o gabinete de Schüssel.

Manobras – Com sua renúncia, Haider tentou tirar munição dos críticos europeus da coalizão de governo, abrindo as portas para a revisão das sanções impostas pelos 14 parceiros da UE à Áustria. Aparentemente não conseguiu, a julgar pela reação do premiê português Antônio Guterres, que disse que o que está em questão “não é a personalidade de Haider, mas seu partido”. Seja como for, a manobra tem chances de êxito no plano interno. O líder neonazista estaria se preservando de eventuais medidas impopulares que o governo Schüssel tenha que tomar. A oposição social-democrata reconhece a esperteza da estragégia do líder extremista e acredita que ele continuará movendo os pauzinhos nos bastidores e poderá sempre surgir como o “salvador da pátria”. O curioso é que muita gente que se opõe ao radicalismo deste Jean-Marie Le Pen austríaco viu no gesto de Haider uma atitude positiva. O rabino Marvin Hier, do Centro Simon Wiesenthal, afirmou que a renúncia do líder do FPÖ é “o primeiro sinal de ar fresco” no turbulento horizonte político austríaco dos últimos tempos. Já o porta-voz do Departamento de Estado americano, James Rubin, declarou que a renúncia de Haider era “um passo na direção correta para assegurar que a Áustria tenha um governo que respeite os direitos humanos, a tolerância e as minorias”. Certamente Rubin desconhecia a opinião do ministro Schmidt sobre o número de passos dados por Haider, atrás e à frente.