25/01/2006 - 10:00
Na busca desenfreada de público, a produção nacional investe em fórmulas de sucesso que pouco acrescentam. Crime delicado (Brasil, 2005), de Beto Brant, que estréia no País na sexta-feira 27, arriscou o caminho oposto, sem cair, contudo, na postura arrogante de voltar as costas ao espectador. Assim, cenas documentais alternam-se a outras totalmente oníricas, encenações teatrais sucedem-se a pensamentos em voz alta, tudo alinhavado de forma muito livre. O resultado é brilhante. Dizer que o quarto trabalho de Brant é o melhor filme nacional dos últimos anos pode soar exagerado. Fiquemos então com a conclusão mais óbvia: é o mais bem-sucedido filme do diretor de O invasor, o que não é pouca coisa.
Baseado no romance de Sérgio Sant’Anna, Crime delicado gira em torno do encontro do crítico de teatro Antônio Martins (Marco Ricca) com a misteriosa Inês (Lilian Taublib). A garota, que não possui uma das pernas, é modelo do pintor José Torres Campana (Felipe Ehrenberg), com quem mantém uma relação ambígua. Racional ao extremo, Martins mergulha numa paixão cega. Num acesso de ciúme, provocado pela visão de telas insinuantes de uma intimidade entre Inês e o pintor, faz sexo com a jovem sem o seu consentimento. Ela o leva a júri. Dito desta forma, pode parecer um simples drama sobre assédio. Crime delicado destaca-se justamente por enredar a paixão em câmera fixa para mostrar que ela escapa às categorias lógicas.
Híbrido – Esse prodígio não é conseguido apenas pela singularidade dos personagens. Antônio é um solitário que descobre no amor a possibilidade de estetizar a própria vida e criar para si uma cena de teatro perfeita. Mas Inês, com sua beleza invulgar, coloca em xeque a própria idéia da perfeição. Para tornar o choque deste encontro ainda menos banal, Brant intercala as cenas do casal com encenações de peças teatrais, todas tratando do ciúme. Mais radical ainda foi a escolha dos atores: Lilian não era atriz e Ehrenberg é um artista plástico na realidade. Rompem-se assim as categorias de ficção e documentário. Como diz Brant, trata-se de “um filme híbrido, que afronta a convenção de que ficção é só o encenado”. É nesta estrutura heterogênea que Crime delicado encontra sua unidade secreta, coroando a idéia de que a beleza é mais intensa e generosa na imperfeição.