08/11/2013 - 20:50
Assista ao trailer de "Blue Jasmine”:
Pagar as contas no fim do mês nunca foi uma preocupação dos personagens de Woody Allen. Na lista de suas atribulações, os impasses nos relacionamentos e as elucubrações psicanalíticas sempre tomaram lugar das questões materiais. Uma guinada irônica acontece em “Blue Jasmine”, que estreia na sexta-feira 15. Na história da socialite falida que dá nome ao filme, a Nova York de apartamentos chiques e jantares ao som de jazz só aparece em recordações. Seu presente é duro e tem como cenário um bairro decadente de São Francisco, para onde se muda. Jasmine (Cate Blanchett) perdeu tudo, inclusive a sanidade mental, e vai buscar um teto na casa da irmã pobre, caixa de supermercado, mãe de dois garotos gulosos e na mira do dono de uma oficina mecânica, fauna pouco comum nos enredos do cineasta.
MUDANÇA
Jasmine (Cate Blanchett) entre os amigos ricos
de Nova York (acima) e junto à turma remediada de
São Francisco: perda dos referenciais com toques de tragédia
A ex-milionária, contudo, ainda desfila o tailleurzinho Chanel como uma autêntica habitante da Park Avenue, zona nobre de Manhattan, e com o smartphone em punho sabe afastar com sotaque “upper class” o taxista que a espera com suas três malas Louis Vuitton: “Poderia me conceder um mínimo de privacidade?”. É o Woody Allen dos tempos bicudos. O diretor não confirma, mas a imprensa americana em peso identificou em Jasmine uma versão bem acabada de Ruth Madoff, a mulher do investidor americano Bernard Madoff, que foi condenado a uma pena de 150 anos de cadeia ao aplicar um golpe de US$ 65 milhões, desbaratado em 2008, no auge da crise financeira. O destino de Hal, o tubarão de Wall Street correspondente a Madoff, vivido por Alec Baldwin, é mais trágico. Denunciado pela própria mulher ao se descobrir traída, ele é preso na porta da empresa, à luz do dia, e se mata no presídio. O espectador pode ficar tranquilo, porque tudo isso é contado logo no início. Jasmine só não imaginou que, com sua atitude tresloucada, perderia também as regalias. “Vendi todas as joias e peles que pude esconder do Tio Sam”, diz à irmã, entre uma dose de vodka e algumas pílulas de Frontal. Para desviar a inspiração da vida real – ou conferir a ela um verniz literário –, Allen deu à personagem alguns traços da clássica Blanche DuBois, criação de Tennessee Williams em “Um Bonde Chamado Desejo”: como a afetada viúva, Jasmine se aliena do presente numa fantasia em que só ela acredita.
Cate Blanchett acha que é plausível traçar paralelos entre o filme e o caso Madoff, mas diz que não se manteve presa à realidade. “Achei a história surpreendente e triste e, ao mesmo tempo, nada extraordinária ao pensar no que aconteceu com uma grande quantidade de pessoas do ponto de vista psicológico e financeiro”, afirmou. Passados cinco anos, o fantasma do desemprego e do bolso vazio ainda incomoda os americanos. Segundo o jornal “The New York Times”, uma pesquisa divulgada pela Allianz Life Insurance Company avalia que metade das mulheres ouvidas tem pavor de se tornar uma sem-teto, como parece ser o futuro de Jasmine – 27% delas com uma renda familiar anual superior a US$ 200 mil. Como nunca demonstrou ser muito ligado em estatísticas, o tiro certeiro de Allen só pode ser atribuído a uma grande perspicácia sociológica. Por que, então, demorou tanto a tratar do tema? Uma explicação estaria na própria crise. No final de 2008, quando o escândalo Madoff explodiu na imprensa, Allen se encontrava em processo de criação de seu filme inglês “Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos”, fase iniciada há três anos, antes de o clima de austeridade bater às portas dos países europeus. O diretor de 78 anos acha natural que os personagens de classe média baixa – ou falidos – invadam seus enredos, sempre povoados por artistas, intelectuais e abastados de um modo geral. “Conheço bem essas pessoas, cresci no meio delas”, diz ele, cujo pai era garçom e vivia no Brooklyn numa época em que o lugar não era o bairro charmoso de hoje.