ROBERTO CASTRO/AG. ISTOÉ

AO LADO DO PODER Carvalho no gabinete do presidente Lula, com quem convive há mais de 20 anos

 

Há cerca de um mês, no início da crise do dossiê produzido no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva envolvendo supostos gastos com cartões corporativos na gestão de Fernando Henrique Cardoso, foi o atual chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, quem acionou os parlamentares governistas para defender a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. “Gilberto, a oposição está no Senado metendo o pau na Dilma e não tem nenhum líder do governo nem do PT para defendê-la”, disse-lhe pelo telefone o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. A resposta de Carvalho, pela rapidez e veemência, foi de quem tem plenos, fortes e amplos poderes no País: “Não tem ninguém nosso lá? Vou resolver isso.” E resolveu. Outra demonstração de sua força, antes do dossiê sobre a gestão anterior, deu-se em fevereiro, em meio à farra dos cartões corporativos envolvendo o próprio governo Lula. Foi ele, Gilberto Carvalho, quem antecipou à ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, que o Palácio de Planalto não estava gostando da situação que a colocava no epicentro do caso e que seria melhor se ela se afastasse do cargo. Esses dois exemplos são emblemáticos do porquê de Gilberto Carvalho ser chamado hoje nos círculos palacianos de “eminência parda” de Lula, tão íntimo e poderoso que chega a estar credenciado a tomar decisões em nome do presidente.

Já no final de 2006, uma vez sacramentada a reeleição, ficava claro que, desse assessor, Lula não abre mão. “A gente se suportou por quatro anos, fique à vontade se quiser mudar. Afinal de contas, isso não é um casamento”, disse-lhe Carvalho. Lula não pensou um instante sequer, e o homem forte continuou mais forte ainda na chefia do gabinete. Não foi essa a primeira vez que, numa conversa sincera, ele colocou o cargo à disposição. No início do governo, em 2003, depois de uma áspera discussão, Carvalho desafiou: “Acho que seria bom você colocar outro cara no meu lugar.” Lula amainou: “Você não entendeu. Se dou bronca é porque eu confio em você.”

A verdade é que, a cada discussão desse tipo, Gilberto Carvalho cresce. E Lula não quer mesmo perdê-lo a ponto de evitar que algo o entedie. Desconfiado de que ele estaria enfastiado da burocrática rotina palaciana, o presidente promoveu uma reestruturação completa no gabinete com base em experiências de outros países. E na nova estrutura de poder mostrou quanto confia em seu chefe de gabinete. Carvalho, que antes administrava praticamente sozinho a agenda do presidente, hoje chefia uma equipe de mais de 50 pessoas. O fortalecimento dessa estrutura permite que ele seja na prática um verdadeiro substituto do presidente. Lula viaja muito, Carvalho não. Assim, na ausência do presidente, ele tem autonomia para resolver assuntos do dia-a-dia e despacha com ministros e políticos da base aliada.

Mesmo quando Lula está em terra, e não viajando, o chefe de gabinete recebe em rápidas audiências deputados, ministros, prefeitos, líderes sindicais e representantes comunitários. Ao telefone, conversa com governadores e autoridades internacionais. “Quando querem mandar algum recado ao presidente, é a mim que procuram”, disse Carvalho à ISTOÉ. No estilo das mais eficientes eminências pardas, sabe que o egocentrismo é inimigo do poder de influência e, assim, está sempre pronto a minimizar a sua importância: “Tenho bom senso, cuido para não avançar o sinal. Não sou ministro, não tenho poder estabelecido. Tenho poder delegado.”

Gilberto Carvalho, 57 anos, começa a trabalhar às 8h30. Às 8h45, pontualmente, entra no gabinete presidencial para participar do briefing que Franklin Martins dá a Lula com os principais assuntos do dia. Hora para encerrar o expediente, isso ele não tem. Também nunca reclama do ambiente de trabalho no Palácio do Planalto: “Na verdade, é um dos melhores que já tive na vida”. Incomoda-lhe, no entanto, o fato de ter que administrar, vez ou outra, a fogueira das vaidades no governo, mas isso não o tira do prumo por mais de cinco minutos: “Faz parte do jogo da política.”

A amizade entre Lula e seu chefe de gabinete foi pavimentada ao longo de duas décadas de convivência, desde que os dois se conheceram em 1980 nos primórdios do PT. Nunca, no entanto, a relação foi tão íntima como agora. A única divergência acontece no futebol, porque Lula é corintiano e ele, palmeirense. “Mas mesmo isso está diminuindo”, diz Carvalho, referindo-se ao fato de um dos filhos de Lula, Luís Cláudio, ser auxiliar do técnico do Palmeiras, Wanderley Luxemburgo. “O Lula tem torcido pelo Palmeiras”, entrega o jogo o chefe de gabinete da Presidência da República.

AG. ISTOÉ

GOLBERY Ele preparou o golpe mas desmontou a ditadura

 

À sombra do poder

O general Golbery do Couto e Silva (1911-1987, foto) foi o caso mais conhecido de “eminência parda” do Brasil. Um dos ideólogos do golpe militar de 1964, ele tornou-se o principal artífice da “reabertura” do presidente Ernesto Geisel, que resultou em 1979 na Anistia e no fim do AI-5. Usada para designar personagens de bastidores que exercem forte influência sobre os governantes, a expressão “eminência parda” (eminence grise) surgiu na França no século XVII. O cardeal de Richelieu (1585-1642), o todo-poderoso primeiro- ministro do rei Luís XIII, era conhecido como “eminência vermelha” em decorrência do tratamento dispensado a cardeais, do hábito vermelho e do seu poder. Influente, seu conselheiro François Leclerc, marquês de Tremblay, conhecido como Père Joseph (frei José), ganhou o apelido de eminência parda, também em referência ao seu poder e à cor de seu hábito de capuchinho