25/01/2006 - 10:00
Há sete anos, o vocalista Bono, da banda irlandesa U2, entrou no palco do MTV European Music Awards logo depois de Mick Jagger, o líder dos Rolling Stones, a quem chamou de “majestade satânica”. Não foram poucos os que sentiram no ar uma espécie de autobeatificação por parte do “modesto”, mas onipresente, Bono. E sua banda, de certa forma, congrega fãs roqueiros que têm fé e abraçam causas. Como o cantor. A maior delas é pagar o preço módico de R$ 200 pelo ingresso mais barato, suado, fruto de uma espera de horas na fila, sob sol inclemente, como aconteceu no primeiro dia de vendas de seus dois shows brasileiros, na segunda-feira 16. Em sua segunda viagem ao País, a banda viu da Toscana, na Itália, onde passa férias, os 73 mil ingressos para o anunciado único espetáculo que fariam em São Paulo, no estádio do Morumbi, no dia 20 de fevereiro, esgotarem em um dia conturbado. Como havia gente acampada desde sábado nos postos montados na Rede Pão de Açúcar, patrocinadora do show, a situação desandou em completo caos. A publicitária paulistana Rachel Orlando, 24 anos, por exemplo, chegou às 9h30 da manhã e só obteve os ingressos 13 horas mais tarde, em razão da lentidão das máquinas impressoras. A mesma sorte não teve a estudante Marjorie Cohn, 19 anos. Apesar de ter ficado cinco horas a mais na fila do que Rachel, ela chegou em casa apenas com uma senha dada pela (des)organização do posto, que ficou com seu número de RG e telefone.
A assustadora, mas não imprevisível procura de ingressos, alegada pela produção, levou à confirmação de um segundo show no dia 21. Mas para a ansiedade dos fãs, as informações sobre as vendas só serão dadas na sexta-feira 27. A confusão da primeira bateria de vendas indica que a passagem do U2 pelo Brasil será mesmo ruidosa. A turnê Vertigo, que divulga How to dismantle an atomic bomb, 11º álbum da banda, já foi vista por três milhões de pessoas em 19 países, arrecadando cerca US$ 300 milhões, o que a coloca como a mais bem-sucedida turnê do ano passado. Depois do Brasil, os quatro roqueiros passam pelo Chile e pela Argentina, onde os ingressos já se esgotaram. Segundo Alexandre Accioly, um dos nomes envolvidos na vinda da banda e sócio do jogador Ronaldo em uma rede de academias, o “Fenômeno” intercedeu pessoalmente junto a Bono para que o U2 se apresentasse no País. “O cantor nos convidou para vê-lo em Copenhague, onde homenageou Ronaldo do palco”, disse. Apesar de novato no negócio, sabia, portanto, com quem estava lidando. Para um empresário do ramo, que não quis se identificar, o caos na venda dos ingressos revela um tratamento amador a uma banda de pop stars que exige uma logística à altura. Eduardo Romero, diretor de marketing institucional do Pão de Açúcar, aponta a demanda inesperada como a grande vilã. “Temos três mil senhas para atender. Havia público para até seis shows do U2.”
A megaestrutura da banda faz jus à histeria. O U2 chega com 400 toneladas em equipamento divididas em quatro Boeings 747. Uma boa prévia do espetáculo é o DVD Vertigo 2005/U2 live from Chicago (Universal), que será exibido como especial pelo canal pago HBO Plus, no sábado 21. São 23 músicas totalizando 3h17 minutos de rock e magia em um palco de círculos adjacentes a partir da bateria de Larry Mullen. Em uma circunferência maior ficam o baixista Adam Clayton e o guitarrista The Edge, deixando o terceiro círculo, que chega à metade do estádio, para Bono. Ao som perfeito somam-se imagens reproduzidas por cortina de lâmpadas especiais (LEDs), que funcionam como pixels, substituindo com vantagem os telões.
Mais que o visual, o que importa é o som épico e a capacidade do quarteto de recriar a energia da banda a cada trabalho. O baterista Larry formou o grupo em 1976 com colegas de escola, o igualmente dublinense Paul Hewson, apelidado Bono Vox, e os ingleses Adam Clayton e Dave Evans, este conhecido como The Edge. O primeiro single foi gravado três anos depois. Mas a banda só atingiu o estrelado com o terceiro álbum, War, lançado em 1983, trazendo New Year’s day, que tocam até hoje. O U2 fez uma aparição espetacular no Live Aid de 1985 e arrasou os Estados Unidos com a turnê do disco Joshua tree, de 1987, transformada em filme – Rattle and hum. A década seguinte só fez crescer a sua popularidade como a maior banda de estádio, ao lado dos Rolling Stones, ocupando o posto do Queen, dissolvido com a morte do vocalista Freddy Mercury, em 1991. Nem mesmo o grunge de Seattle incomodou seu reinado.
O U2 mostrado no DVD que já vendeu mais de um milhão de cópias é o mesmo que tocará para os fãs brasileiros em fevereiro próximo. Mullen, com o topete loiro domado pela brilhantina e os músculos realçados pela camisa justa, estará batendo forte com aquele ar de “Elvis não morreu”. Já Clayton trocará algumas vezes de baixo, tocará guitarra da canção 40 e no hotel deverá ser confundido com algum professor universitário ou paleontólogo em férias. Esse não é o caso de The Edge, cuja touca de lã parece ter saído do figurino de algum filme de presídio. Como Bono, o músico não sabe o significado do verbo escanhoar. Em vez de roupa, troca de instrumento em cada música – quatro guitarras Fenderes, três Gibsons, uma Rickenbacker, uma Gretsch, uma Epiphone, três violões e um piano. Bono entrará de pretinho básico com casaco de couro, que dará lugar a um smoking sobre camiseta denunciando a miséria africana, para, ao final, vestir-se de uniforme vagamente nazista. Preto, é lógico. Todos parecem se divertir o tempo todo. O público, claro, vai fazer o mesmo.