O empresário Wagner Canhedo, presidente da Vasp, ainda não teve tempo para comemorar o fantástico índice de 89% de ocupação em seus jatos na ponte aérea Rio-São Paulo, o filé mignon da aviação nacional. Na última semana, ele precisou dedicar-se integralmente para administrar algumas turbulências. "Nossa política comercial mais agressiva deu resultado e incomodou a concorrência que resolveu bater abaixo da linha da cintura", acusa Canhedo. O empresário se refere ao bombardeio a que a Vasp ficou exposta nos últimos dias, quando foram amplamente divulgadas supostas dívidas da empresa e ameaças sensacionalistas da Infraero – a estatal responsável pela maior parte dos aeroportos brasileiros – de proibir os pousos e as decolagens de suas aeronaves. "Nenhuma empresa aérea brasileira está voando em céu de brigadeiro. A Vasp tem dívidas como tem dívidas a Varig, a Transbrasil e a TAM. Mas não estamos em situação de risco. Os ataques vieram como resposta de baixo nível a uma maior ocupação de mercado."

Certo de que seu plano de vôo está absolutamente correto, em entrevista concedida a ISTOÉ, Canhedo assegura que não irá arremeter. "Vamos manter o desconto de 50% nos bilhetes da ponte aérea e nos próximos dias anunciaremos promoções semelhantes para as cidades de Ribeirão Preto (SP), São José do Rio Preto (SP), Campo Grande (MS) e Uberlândia (MG). Como na ponte aérea, o cliente pagará a ida e a Vasp dará a volta", promete. O presidente da Vasp também garante que não irá reduzir a premiação aos agentes de viagem e acusa Varig, Transbrasil e TAM de não estarem amadurecidas o suficiente para entender a necessidade de fusões entre as empresas aéreas nacionais. A seguir, a entrevista com Wagner Canhedo.

ISTOÉ – Na última semana, cartazes espalhados pela cidade o definiam como um piloto de cheques voadores. Como o sr. se sentiu ao ver esses cartazes?
Canhedo

Não é nada agradável e não ficarei quieto. Os cartazes espalhados pela revista Veja são abomináveis e mentirosos. É lamentável que uma revista se arvore em juíza da moral alheia, como se estivesse acima do bem e do mal, sendo usada por meus concorrentes que se empenham em mover uma campanha contra a Vasp porque perderam mercado. É inaceitável que uma revista se preste a esse serviço, principalmente sabendo que estava divulgando alguns dados mentirosos e distorcendo outros. Trata-se, claramente, de uma reportagem assinada por meus concorrentes. Lanço o desafio para que apresentem um cheque do Canhedo ou da Vasp que tenha sido emitido sem fundos.

ISTOÉ – A Infraero diz que recebeu do sr. 24 cheques pré-datados e ao apresentar o primeiro o pagamento estava sustado.
Canhedo

Mais uma mentira divulgada pela revista Veja. De fato fiz os cheques pré-datados, mas a Infraero apresentou os 24 no mesmo dia. Por causa disso os pagamentos foram sustados, pois o comportamento da Infraero rasgou qualquer compromisso anterior.

ISTOÉ – O sr. credita aos concorrentes os ataques sofridos pela Vasp nos últimos dias. Diz que tudo não passa de uma resposta de baixo nível à sua política comercial mais agressiva. O que a Vasp fez que incomodou tanto?
Canhedo

De dezembro para cá, tomamos algumas medidas que irritaram muito meus concorrentes. Depois de algumas reuniões, todos resolveram abaixar de 10% para 7% as comissões dos agentes de viagem. A Vasp, que em outubro havia elevado essas comissões para 13%, não aceitou. Temos muito claro que são esses agentes os responsáveis por 80% de nossas vendas e eles precisam ser valorizados. Isso é política comercial. Irrita a concorrência, mas nada me obriga a seguir o que fazem as outras empresas.

ISTOÉ – E já houve tempo suficiente para essa postura provocar algum reflexo no mercado?
Canhedo

Sem dúvida. Quando elevamos a comissão para 13%, nossas vendas aumentaram em torno de 10% e agora que elas abaixaram nossas vendas subiram mais 30%. É isso que tem deixado TAM, Varig e Transbrasil bastante aborrecidas. Mas vamos ignorar os reclamos e continuar a implantar essa política agressiva.

ISTOÉ – Como?
Canhedo

Agora começamos com a promoção na ponte aérea. O passageiro paga a ida e a Vasp paga a volta. É o mesmo que se estivesse dando 50% de desconto. Ora, eles têm linhas que dão até 40% de desconto. Por que não posso dar 50% de desconto na ponte?

ISTOÉ – É que a ponte Rio-São Paulo é o filé mignon da aviação nacional.
Canhedo

Mas eles também estão com promoções na ponte.

ISTOÉ – TAM, Varig e Transbrasil estão dando descontos no trecho Rio-São Paulo?
Canhedo

Indiretamente sim. Elas aumentam a milhagem. É o mesmo que estamos fazendo, só que com resultados a médio e longo prazos para os clientes. A Vasp optou pelo benefício imediato ao passageiro.

ISTOÉ – Qual o resultado concreto dessa promoção?
Canhedo

O resultado é maravilhoso. Tínhamos um aproveitamento na ponte de 25% e estamos com 89%. A Vasp está ganhando. Veja bem. O número de passageiros continua o mesmo e meus vôos que saíam com ocupação de 25% hoje saem com 89%. Isso significa que as pessoas deixaram de voar pelas outras empresas. Foi a gota d’água para desencadear essa campanha odiosa contra nós. Meu crime é levar a sério o fato de vivermos em uma economia de mercado na qual o consumidor ganha com a competição.

ISTOÉ – A Infraero participa dessa campanha. Muito do que se tem dito contra a Vasp diz respeito a dívidas da empresa com a estatal?
Canhedo

Não. Nós, por decisão do ministro da Defesa e do comandante da Aeronáutica, seremos tratados como os demais. Vamos pagar todas as sextas-feiras e não diariamente como queria a Infraero. O problema é operacional e não falta de caixa.

ISTOÉ – Na semana passada, o presidente da Infraero criticou essa promoção da Vasp na ponte aérea. Ele disse que o sr. estava praticando dumping.
Canhedo

Isso é descabido. A Vasp está trabalhando com essa tarifa e está ganhando muito dinheiro.

ISTOÉ – O sr. não está operando abaixo do custo?
Canhedo

Ao contrário. Antes, com poucos passageiros nos aviões, estávamos perdendo no mínimo R$ 140 mil por dia na ponte e agora estamos ganhando R$ 140 mil.

ISTOÉ – E a dívida com a Infraero. As ameaças de proibir os vôos da Vasp?
Canhedo

Isso é outra grande bobagem. Estão confundindo tudo. O que a Infraero pode efetivamente fazer é nos cobrar cash e por causa disso estamos brigando na Justiça. Mas, se perdermos, vamos pagar dia a dia sem nenhum problema.

ISTOÉ – Estou me referindo não às taxas atuais, mas à dívida antiga da Vasp com a Infraero.
Canhedo

Temos dívidas como todas as outras empresas do setor. A Varig tem, e a Transbrasil e a TAM também. Nossa dívida com o governo de maneira geral está em torno de R$ 1,5 bilhão e temos créditos com a União em torno de R$ 1,6 bilhão. Então, o que estamos buscando é um acerto de contas e depois dessa negociação as coisas ficarão zero a zero.

ISTOÉ – Quais são esses créditos?
Canhedo

São créditos de defasagem tarifária do passado, já reconhecidos pela Justiça. Estamos apenas aguardando um chamado do governo para negociar. O nosso direito já está assegurado. O problema é que o governo, ao contrário dos cidadãos comuns, tem um maior número de recursos. Na verdade, são ações que visam apenas a ganhar tempo e não interferem no reconhecimento do direito.

ISTOÉ – O que está faltando para resolver?
Canhedo

Vontade política da área econômica do governo.
 

ISTOÉ – O sr. diz que, assim como a Vasp, as demais empresas do setor também têm dívidas. Elas também não têm esses mesmos créditos provenientes da defasagem tarifária?
Canhedo

A Transbrasil, por exemplo, tinha uma ação contra a União e ganhou. Nossa ação é idêntica e o processo está no mesmo estágio que o da Varig. Exigimos isonomia.

ISTOÉ – E as demais dívidas?
Canhedo

Nenhuma empresa aérea está voando em céu de brigadeiro. Todas têm dívidas, mas não estou à beira do abismo. Nenhum avião da Vasp foi tomado por empresa de leasing. Somos donos de 75% de nossa frota. A Varig, que já chegou a ser dona de todos os seus aviões, hoje tem apenas seis 737.200. A Transbrasil tem apenas três dos 21 jatos de sua frota e a TAM arrenda seus 56 jatos. Ninguém que arrecada em real e paga em dólar pode estar absolutamente tranquilo.

ISTOÉ – É verdade que a Vasp perdeu um contrato com a Empresa de Correios e Telégrafos porque apresentou falsas certidões negativas do INSS?
Canhedo

Essa é mais uma mentira dessa campanha sórdida promovida por meus concorrentes. Já pedi novas certidões e assim provarei que nada há de falso. Nossa dívida com o INSS está sendo depositada em juízo todos os meses sem nenhum atraso. O problema é que estamos questionando a forma de pagamento, pois quando boa parte dessa dívida foi feita a Vasp era estatal e como tal tinha um prazo maior de pagamento. Lutamos pela manutenção desse prazo.

ISTOÉ – E o contrato com o Correio?
Canhedo

Nós temos um serviço, o Vaspex, que concorre com o Correio. Portanto, esse contrato era um problema, pois a ECT nunca viu com bons olhos a concorrência direta. Os valores já estavam defasados em pelo menos 40%. Desde agosto do ano passado temos feito tratativas para o reajuste e nunca encontramos boa vontade por parte deles. O corte iria acontecer de uma forma ou de outra. Não teve nada a ver com a fantasiosa denúncia de certidões falsas. Para mim, o importante é que o que perdemos com o Correio já ganhamos com o incremento do Vaspex. Em janeiro crescemos mais de R$ 6 milhões.

ISTOÉ – O sr. está distribuindo uma carta aos passageiros em que fala em reestruturação da empresa. O que está acontecendo?
Canhedo

Não é só a Vasp, mas o setor todo precisa ser reestruturado. Não é fácil arrecadar em real e pagar em dólar. Estamos agora devolvendo quatro dos oito MD-11 e vamos reestruturar a malha internacional. É possível cumprir as rotas com metade da frota. Isso significará uma economia de US$ 1,6 milhão mensal em leasing. Com a desvalorização do real, esses aluguéis se tornaram muito caros. Isso tudo tem o objetivo de aumentar receita e diminuir despesas.

ISTOÉ – O sr. planeja alterar o número de funcionários da empresa?
Canhedo

 A Vasp é uma empresa bastante enxuta. Me dói demitir um empregado. Eu vim de baixo e gosto de quem trabalha comigo.

ISTOÉ – Dizem que a Vasp está canibalizando. Como anda a manutenção de seus aviões?
Canhedo

Mais uma maldade. Dizem isso por causa dos MD 11. Ora, sempre um deles está em manutenção. É absolutamente normal que as empresas recolham suas aeronaves para revisão e manutenção. Com a Vasp, isso vira sinônimo de canibalização. Não é nada disso. A empresa aérea de médio e grande portes que não estiver com pelo menos um avião em manutenção está negligenciando com a segurança. A acusação é tão falsa quanto lamentável.

ISTOÉ – Como a Vasp se posiciona em relação à fusão das companhias aéreas nacionais, discurso feito com frequência pelo governo?
Canhedo

Sou totalmente favorável. Com qualquer uma das outras três empresas. Temos conversado bastante, mas essas conversas não têm caminhado. Acho que estamos vendo dez anos à frente, mas meus concorrentes não pensam assim. Nossos cálculos já checados e rechecados indicam que com a fusão das empresas nacionais poderíamos economizar cerca de US$ 15 milhões por mês. Uma economia que certamente seria revertida em benefício ao usuário, com a redução no preço final da passagem.

ISTOÉ – Por que essas conversas não avançam?
Canhedo

Tenho impressão de que falta amadurecimento aos meus concorrentes, pois não vejo como as empresas poderiam perder com isso.

ISTOÉ – Como o sr. pretende reagir a essa campanha contra a Vasp?
Canhedo

Vamos continuar fazendo as promoções e não iremos alterar as comissões dos agentes de viagem. Nossos passageiros irão ser beneficiados imediatamente. Nos mesmos moldes da ponte aérea, vamos implantar nos próximos dias promoções para Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Campo Grande e Uberlândia. O passageiro pagará a ida e a Vasp a volta.

ISTOÉ – Qual a taxa de ocupação atual nesses vôos?
Canhedo

Temos pouca ocupação. Cerca de 35% e apenas um vôo diário. Com a promoção vamos chegar a 70% de ocupação, com certeza. Dessa forma, linhas que por vezes pareçam deficitárias começarão a dar retorno imediato.

ISTOÉ – Isso vai afetar a TAM?
Canhedo

Com certeza. Mas, afete a quem afetar, o passageiro Vasp será o maior beneficiado dessa guerra suja.