Nos campos de terra de futebol dos subúrbios e grotões do País, meninos pobres e franzinos lideram a lista dos mais talentosos. Pelé, Garrincha e Robinho são alguns dos melhores exemplos do que um brasileiro humilde sabe fazer com uma bola no pé. Os grandes ídolos cobiçados por clubes da Europa e da Ásia costumam vir das classes menos privilegiadas. Mas um outro grupo de jovens craques começa a levar vantagem na busca do sonho de se tornar um astro famoso do esporte. São garotos de classe média – a maior parte –, que, além de jogar bem, têm na família algum avô ou bisavô vindo do velho continente. A vantagem é que eles podem obter dupla cidadania e ganhar um passaporte europeu.

Na zona leste de São Paulo – em bairros de razoável poder aquisitivo, como Tatuapé e Penha, ou em áreas mais distantes, como Artur Alvim e Jardim Danfer –, passou a ocorrer uma verdadeira caçada a jovens com esse perfil que se destacam no futebol de salão. Não é para menos. Times de futsal da Itália, da Espanha e de Portugal – e em menor quantidade da Rússia, Grécia, Romênia, Alemanha e Suécia – abriram totalmente seus mercados para os brasileiros. Hoje, a Espanha tem 424 jogadores de futsal brasileiros e a Itália, 72 (embora não se saiba quantos outros estariam em situação irregular, sem atestado liberatório da Confederação Brasileira). Oficialmente, existem mais 16 na Bélgica, 16 na Rússia, 15 em Portugal e quatro no Cazaquistão.

E não pára aí. Dos 12 integrantes da seleção italiana, dez são brasileiros que conseguiram a cidadania. Em contrapartida, entre os últimos 12 convocados para a seleção brasileira apenas o goleiro Rogério e Falcão – o atleta mais famoso e bem pago do País no esporte – não disputam o campeonato espanhol da primeira divisão. Em meio a essa legião, jovens craques da zona leste paulistana têm se destacado. Mais de 50 atletas dali já fizeram as malas e rumaram para o velho continente. Quatro estão na seleção italiana (Richard e Daverson, do Cinecittà, e Jabá e Adriano Folha, do Pescara). A seleção espanhola já conta com os brasileiros Daniel, do Boomerang Interviù, e Marcelo, do Cartagena. E pelo menos um dos mais de 20 hispano-brasileiros da zona leste, Julio César Simonatto, o Alemão, do Lobelle, recusou a convocação brasileira porque aguarda uma vaga na equipe espanhola. “O Brasil tem excesso de craques e na Espanha tenho mais chances”, avalia Alemão, que saiu da Cohab de Itaquera, no extremo leste de São Paulo.

A razão de a região se destacar tanto na produção de craques do futsal é o grande número de campeonatos amadores organizados por colégios e clubes tradicionais, entre eles o Corinthians. Em torneios no ginásio da Basílica da Penha, por exemplo, passaram craques famosos do futebol de campo, como Julinho Paulista, Zé Elias, Casagrande, Dodô, Zé Roberto (Bayer de Munique e seleção brasileira) e Zé Maria (Inter de Milão). "Daqui também saiu o Gercan, um dos grandes times de futsal do Brasil que chegou a excursionar pelo Japão nos anos 80", lembra “seu” Abílio Jorge, 73 anos, um dos organizadores dos campeonatos na quadra da igreja. “Jogador de futsal de São Paulo que não passou pela Basílica é paraguaio”, ironiza Rinaldo Roine, 40 anos, empresário responsável pela ida de 15 jogadores para a Europa.

A frase não é delírio. O craque Falcão, por exemplo, é da zona norte paulistana, mas jogou em clubes da Penha como o Rui Barbosa. Desse time saíram atletas como Richard e Jabá, da seleção italiana, Ivanzinho (ex-Talavera da Espanha), e Ivan, 33 anos, que lamenta ter deixado o Barcelona em 2000. Ele voltou para o time da Uninove, extinto seis meses depois. Ainda joga, mas trabalha como taxista.

Lá fora nem tudo é tão fácil. Quando chegou na Romênia no ano passado para jogar no MGA Bucarest, Alexandre Ribeiro, o Minique, 30 anos, que foi como estrangeiro, vestia apenas uma bermuda para enfrentar uma temperatura de 14 graus negativos. Depois, demorou para encontrar arroz e feijão enlatados. “Ficamos na base da sopa e da carne de porco um bom tempo.” Essas histórias, porém, não desanimam novatos como Cidnelson Lunardi, 17 anos (ex-Portuguesa) e Filipe Tiballi, 21, do Pirapora, que concluem a documentação para obter cidadania italiana e arranjar clubes. Daverson, 30 anos, primeiro jogador de futsal brasileiro a chegar na Itália, revela que houve rejeição de atletas locais diante da invasão brasileira. “Mas os técnicos, a imprensa e os torcedores nos aceitaram muito bem”, assegura. “Vou sentir um pouco quando enfrentar o Brasil. Mas a qualidade de vida e a segurança compensam”, diz o ítalo-brasileiro Richard, também com 30 anos. Na Itália, o salário triplica. Jogadores top chegam a ganhar 20 mil euros (R$ 56 mil).