04/08/1999 - 10:00
R., nove anos, foi vendida por R$ 30 por uma tia embriagada. Nunca mais viu a família. M., 11, aceitou se prostituir com um homem de quase 60 anos em troca de R$ 200, para pagar uma viagem da mãe que sonhava com um emprego em São Paulo. Ela prometeu buscar a filha, mas não voltou. Flávia, 12 anos, decidiu se suicidar, pulando no mar, do alto de um rochedo. Abandonada pela família, não suportava mais continuar morando na rua. Histórias como essas chegam diariamente à sede da Casa de Passagem, uma ONG do Recife criada em 1989, que atende 300 meninas por dia, dos 7 aos 17 anos.
A entidade acolhe meninas pobres da periferia em situação de risco, sobreviventes das ruas, favelas e áreas de prostituição. A capital hoje tem um dos maiores índices de desemprego e o maior percentual de população favelada do País (42,2%). Boa parte das meninas que chega à entidade é vítima de violência e abuso sexual, geralmente pelo pai ou padrasto. Uma pesquisa do Ministério da Saúde mostrou que 30% das garotas pobres da periferia, com idades entre 12 e 18 anos, acabam na prostituição. Vinte e sete por cento vão para o trabalho doméstico. "Só que essa atividade também é um passo para elas se prostituírem. Daí, muitas começam a sair com os gringos (turistas estrangeiros)", diz a advogada Ana Vasconcelos, presidente da ONG.
O trabalho da Casa é reconhecido no Exterior e já foi premiado. Mas agora está ameaçado. Recentemente, uma verba do governo federal foi cortada. Um projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento – que garante US$ 100 mil ao ano para pagamento de funcionários, transporte e alimentação – está prestes a terminar e não deve ser renovado. Outro programa da União Européia no valor de US$ 80 mil para a manutenção de cursos profissionalizantes pode também ser encerrado no próximo ano. Atualmente, os organismos internacionais preferem encaminhar suas verbas para a África e para os refugiados do Leste Europeu, que julgam ser mais carentes. "Temos uma despesa de R$ 50 mil a R$ 60 mil por mês. Por isso, tivemos de reduzir de 60 para 30 os membros da equipe", lamenta Ana. Em 1995, o presidente Fernando Henrique visitou a Casa e garantiu que a ONG teria apoio do governo, por ser um exemplo para todo o País. "Ele disse que projetos como o nosso seriam privilegiados com a ajuda federal. Mas, hoje, estamos abandonados", lembra Ana.