11/10/2013 - 21:05
Os 40 anos do golpe no Chile foram recentemente lembrados, mas não encontrei um relato que descrevesse o que vi.
Em fevereiro de 1973, com 20 anos, fui conhecer a via chilena al socialismo de Salvador Allende, o presidente eleito com 36% dos votos pela Unidade Popular, seguido de Jorge Alessandri, do Partido Nacional, de direita, com 35%, e Radomiro Tomic, da esquerda do Partido Democrata Cristão, com 27%. O país já estava polarizado antes da eleição; a direita urdia um golpe e parte da esquerda tramava a revolução.
Sem maioria, Allende foi forçado a negociar com a democracia cristã o Estatuto de Garantias Democráticas, um compromisso de respeito ao Estado de Direito, às liberdades democráticas e à indenização das expropriações previstas em seu programa. Em 24 de outubro de 1970, o Congresso proclamou-o presidente sob intensa comoção. Dois dias antes, o comandante-em-chefe do Exército, o general legalista René Schneider, fora ferido num atentado de direita (escapara de dois), morrendo no dia 25 – no primeiro dia do governo de esquerda.
Seguiram-se dois anos de tensão, provocações, terrorismo e radicalização crescente em que “cada qual hace precisamente lo necessario para que suceda la desgracia que pretende evitar”, como bem definiu Radomiro Tomic. Um dos melhores livros sobre o assunto é “Fórmula para o Caos”, de Luiz Alberto Moniz Bandeira.
No primeiro ano, a economia cresceu (8%) e a inflação caiu, mas o congelamento de preços e a estatização de empresas levaram à escassez de produtos e ao mercado negro. Em outubro de 1972, os donos de caminhões entraram em greve, seguidos por pequenos empresários, médicos, engenheiros, universidades, bancos – um locaute patronal contra o governo. Em novembro, Allende convocou generais para os ministérios e criou um governo “cívico-militar” para deter a guerra civil iminente. Na ocasião, o general Augusto Pinochet assumiu, interinamente, o cargo de comandante-em-chefe do Exército.
Enquanto o presidente insistia em avançar dentro da legalidade e a direita conspirava, a extrema esquerda recebia armas de Cuba, incentivava desapropriações de terras, associações de fábricas e juntas de vizinhos, e bradava “crear, crear poder popular”.
Em fevereiro, os restaurantes de Santiago estavam desertos e só havia mariscos nos cardápios. Faltava tudo nos supermercados, principalmente humilhantes papel higiênico e pasta de dentes. Na rua, vendiam-se pêssegos enormes.
O maior objetivo de Allende era conquistar maioria no Congresso nas eleições de 4 de março de 1973. Fomos a comícios e assistimos à tensa campanha eleitoral da Unidade Popular. Em março saiu o resultado: 43,3% para o governo e 54,7% para a oposição. A maioria do eleitorado reiterou o “não” ao socialismo.
Dias depois, o secretário do Partido Socialista (marxista-leninista), senador Carlos Altamirano – cujo slogan era “el enfrentamiento es inevitable” –, foi à tevê denunciar a preparação de um novo locaute e exortar a esquerda a “avanzar sin transar”, isto é “avançar sem negociar”.
Na mesma noite, os ministros militares renunciaram.
Allende ficou irremediavelmente isolado.