Para Jean Ziegler, relator da ONU para o direito à alimentação e conhecido mundialmente por seu combate ao segredo bancário, o Brasil vem desempenhando um papel fundamental na crítica ao discurso belicoso dos EUA, segundo o qual a segurança vem antes do combate às suas causas, como a fome. No Rio de Janeiro para avaliar os resultados do programa Fome Zero, o sociólogo afirmou que os EUA reduzem suas contribuições ao Unicef e a outras organizações especializadas das Nações Unidas, sob o pretexto de dar prioridade absoluta aos investimentos destinados à segurança, mas o Brasil vem defendendo que, se o terrorismo é uma ameaça real, ele nasce da fome e da miséria.

“Quando as pessoas têm fome, é preciso reagir imediatamente. É verdade que, na primeira fase do Fome Zero, predomina o assistencialismo caritativo. Em seguida, é preciso realizar medidas estruturais, como a reforma agrária. Como mostro em meu último livro, O império da vergonha, 100 mil pessoas morrem no mundo de fome ou de suas conseqüências imediatas. A cada quatro segundos, morre de fome uma criança de menos de dez anos. A cada quatro segundos, uma pessoa fica cega por falta de vitamina A. Nada menos que 856 milhões de pessoas, uma em cada seis no planeta, vivem uma subnutrição crônica. Mas essas mesmas estatísticas da ONU informam que a agricultura mundial, tal como é hoje, poderia alimentar normalmente com 2.700 calorias por dia 12 bilhões de seres humanos”, disse Ziegler a ISTOÉ.

Para ele, foi a diplomacia brasileira que se tornou a cabeça dos países do Hemisfério Sul, “reeditando em certo sentido o espírito de Bandung, quando, há 50 anos, se criou o movimento dos países não-alinhados. Até agora, os países do Sul careciam de líder, mas agora, com Lula e Celso Amorim, o Brasil é o interlocutor mais credível desse bloco, já que a China é uma ditadura e a Índia ainda tem muitos problemas.”

Multinacionais – Ziegler diz que os que detêm o maior poder no mundo hoje são as sociedades privadas transcontinentais ou multinacionais. Segundo ele, 500 dessas empresas controlam 52% do produto mundial bruto produzido no planeta. “Essas sociedades”, diz Ziegler, “têm um poder que nenhum imperador, rei ou papa jamais teve na história da humanidade”. Quanto à questão do segredo bancário, Ziegler acha que a situação piorou. “A Suíça continua o país mais rico do mundo, cuja riqueza dos bancos provém de capitais do crime. Ao mesmo tempo, a internet aumentou a rapidez de circulação dos capitais, e praças offshore deram vantagens aos fraudadores.”

Ele reconhece que suas denúncias acabaram por interessar à União Européia, cuja pressão obrigou os bancos suíços a descontar imposto de renda sobre as contas secretas dos europeus, mecanismo chamado exceção européia. “Mas as elites corruptas do Terceiro Mundo continuam usando a Suíça como plataforma para lavar dinheiro de corrupção.” Por isso, Ziegler defende a extensão do pagamento de imposto de renda sobre os depósitos em contas secretas vindas
de países emergentes.