O nó da gravata parecia sufocar o empresário Abel Pereira a cada pergunta feita pelos parlamentares da CPI dos Sanguessugas, na quinta-feira 23. O plenário estava lotado e aos poucos as histórias contadas pelo empreiteiro de Piracicaba (SP) iam desmoronando. Acusado pelos donos da Planam, a empresa que comandava a máfia das ambulâncias, de ser o elo entre políticos tucanos e as ambulâncias superfaturadas, Abel caiu em diversas contradições. Primeiro, sustentou que conhecia Darci e Luiz Antônio Vedoin superficialmente. “Me recordo de ter falado com Vedoin uma ou duas vezes”, disse Abel. Os membros da CPI, no entanto, já dispunham da informações diferentes. Entre dezembro de 2002 e julho de 2003, Abel telefonou 19 vezes para a empresa Planam. Depois, ele disse que conheceu o ex-ministro da Saúde Barjas Negri em 2003. Em seguida, confrontado com dados já checados pela CPI, afirmou ter conhecido Barjas em 2002. “Eu não tinha nenhuma relação com o PSDB”, disse Abel. Outra mentira. O empresário e ex-ministro Barjas se conhecem há 30 anos e mantêm relações pessoais e comerciais, essas últimas envolvendo dinheiro público. E é por isso que Abel e Barjas estão entre os que serão indiciados pela CPI. Antes de terminar seu depoimento, Abel disparou um último apelo: “Quem sou eu, para liberar emenda de parlamentar?”

Para responder a isso, a CPI decidiu fazer diligências junto ao Banco do Brasil para rastrear o caminho dos 15 cheques que os Vedoin dizem ter entregue ao empresário no valor de R$ 600 mil. Mais ainda, vai rastrear todos os depósitos feitos pelas empresas do grupo Planam a empresas indicadas por Abel. Segundo os Vedoin, o empresário era o responsável pela liberação de recursos no Ministério na gestão de Barjas Negri e ficava com 6,5% de tudo o que era liberado. Mas há outras histórias envolvendo Abel, que serão investigadas. Ex-diretor do Banco do Brasil, Expedito Veloso, um dos petistas aloprados, foi à CPI na quarta-feira 22 e disse que parte do dinheiro dado pelos Vedoin a Abel serviria para pagar dívidas da campanha do candidato José Serra para presidente da República em 2002. “Eram palavras de Vedoin: cheques e transferências bancárias foram para pagamento de restos de campanha do Serra”, cravou Expedito. Um outro petista aloprado, Oswaldo Bargas, também afirmou que Abel estaria intermediando pagamentos da campanha de Serra. Bargas, porém, mentiu ao dizer que lera antecipadamente a entrevista concedida pelos Vedoin a ISTOÉ em setembro passado. O jornalista Mário Simas Filho, redator chefe da revista e autor da entrevista, nega isso. “De maneira alguma. Nem ele nem ninguém, além dos editores de ISTOÉ, leu a reportagem antes de sua publicação”, diz Simas.

O empresário não consegue rebater acusações dos dois lados. Dos petistas e dos empresários sanguessugas. Com isso, ficou claro para muitos parlamentares que Abel está realmente envolvido com a máfia que liberava dinheiro do Ministério da Saúde para a compra de ambulâncias e que deve ser investigado com o mesmo rigor com que se apura a compra do dossiê fajuto. Para o sub-relator da CPI, Fernando Gabeira, do PV do Rio, ficou claro que Abel confirmou as relações com Darci e Luiz Antônio Vedoin, os chefes da quadrilha. O vice-presidente da CPI, deputado Raul Jungmann, não consegue entender como Abel aceitou se encontrar com os Vedoin depois que os empresários já tinham sido presos por corrupção e na condição de delator premiado. “Quem vai ao encontro de bandido é porque ao bandido deve alguma coisa”, disse Jungmann. Abel queria mesmo conversar com os Vedoin. Para isso, foi a Cuiabá, ficou no Hotel Taiamã, em frente à Superintendência da Polícia Federal, que agora investiga os crimes. A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) espera que a PF de Mato Grosso acelere o inquérito de Abel. “Estão tocando apenas o inquérito do dossiê dos sanguessugas” cutuca Vanessa. “Nós vamos cobrar aprofundamento da investigação.” O pouco conteúdo dos inquéritos que chegaram à CPI fortalece o rumo das investigações dos parlamentares. Pelo menos dois petistas, Jorge Lorenzetti e Osvaldo Bargas, confirmaram em seus depoimentos que Abel ofereceu R$ 10 milhões pelo dossiê contra o PSDB. Para justificar o encontro, Abel afirma que os Vedoin teriam lhe oferecido um dossiê contra o senador Aloisio Mercadante (PT-SP), que disputava o governo paulista com Serra. Segundo deputados da CPI, a versão é difícil de ser acreditada. Isso porque em nenhum momento o petista ameaçou Serra na disputa eleitoral, resolvida em primeiro turno.