14/07/1999 - 10:00
A sombra do Maníaco do Parque, que estrangulou, violentou e matou dez moças no Parque do Estado, em São Paulo, ainda persegue as pessoas envolvidas pelos seus crimes bárbaros. Até a família do motoboy Francisco de Assis Pereira está hoje às voltas com uma intimação judicial por leiloar o filho famoso. Segundo a denúncia que chegou ao juiz corregedor dos presídios, Octávio Augusto Machado, os parentes de Chico, iludidos pelos 15 minutos de fama, estariam capitalizando o fato de ele ser disputado a tapa pelos veículos de comunicação. Em uma carta censurada pela direção da Penitenciária de Taubaté, onde o maníaco aguarda julgamento, Maria Helena Pereira, a mãe, que desfilou sua dor chorando inconformada nas telas de todas as emissoras de televisão, escreveu: "Pelo menos esse dinheiro está servindo para aliviar a desgraça que se abateu sobre a nossa família." Ela se referia aos R$ 7 mil pagos pela entrevista veiculada no Fantástico, da Rede Globo, no ano passado. O dinheiro foi usado para comprar um Corsa. "Não cobro por entrevistas, mas se alguém oferecer dinheiro aceito", diz com franqueza. Por conta desse tipo de proposta, um morador da cidade chegou a oferecer a Roque, irmão mais novo de Chico, um sítio à venda em um clube de campo. "As pessoas acham que estamos ricos, mas não temos nem como visitá-lo", defende-se.
Engano Roque, que vive o preconceito por ser irmão de Chico, sonha em montar um açougue. Ele levou um ano para conseguir o emprego em que ganha R$ 200 para catar laranjas em fazendas da região. Luis Carlos, o irmão mais velho, foi afastado do emprego de motorista em São José do Rio Preto e só retomou o cargo há alguns meses. "Ouvimos as propostas mais absurdas. Enganaram a gente", diz. Maria Helena também se diz traída pelos veículos de comunicação que prometeram a eles mundos e fundos. "A Record disse que iria quitar a dívida de R$15 mil de nossa casa com a Cohab e nos daria um barco a motor e o diretor da Drogavida, no programa do Leão Livre, prometeu os remédios para meu marido, mas nada disso foi cumprido", cobra.
Depois de ver o filho capturado após 30 dias de fuga, que incluiu até a Argentina no roteiro, hoje quem foge da Justiça é a mãe de Francisco, que teme explicar ao juiz essa estranha inversão de valores. "Há meses tento intimá-los e não consigo", diz Machado, que vê nessa atitude uma postura, no mínimo, antiética. "Eles estão ganhando dinheiro à custa da dor alheia que deveria ser destinado a indenizar a família das vítimas", sentencia.
Além da polêmica que parece não acabar nunca, a doença também se abateu sobre a família Pereira. Nelson, o pai, de tão desgostoso, adoeceu. Com os rins comprometidos, se submete a sessões de hemodiálise, está hipertenso e diabético. A tia Diva, que mora em São José do Rio Preto, a quem Francisco acusou de tê-lo molestado sexualmente quando criança, não pode nem ouvir falar nele por ter enfrentado uma série de problemas por conta do desabafo do sobrinho. "Ela ficou muito revoltada. Me disse que aquilo foi uma fraqueza quando nos encontramos por acaso na rodoviária", conta Maria Helena. Diva foi despejada e luta pela guarda da filha. Os amigos patinadores do Ibirapuera também amargam o preconceito que se formou em torno do nome de Francisco. "As meninas falam para eles chegarem para lá porque eram amigos do maníaco", conta o investigador Luís Carlos Santos. Assim como a família de Francisco, os demais envolvidos na tragédias também tentam, como podem, driblar os traumas.
Luiza Rosa, mãe de Rosa Alves Neta, que mora em uma casa apertada em Itapecerica da Serra, periferia de São Paulo, ainda luta para enterrar com dignidade os restos mortais de sua filha, sepultada como indigente. "Gastamos com advogado e não liberaram o atestado de óbito", desespera-se. Enquanto cuida dos filhos de 12 e 14 anos, reclama do pavor com o qual foi obrigada a conviver. "Se eles somem, corro para a rua, achando que foram assassinados", diz.
Na casa de Maria de Lourdes Ferreira Queirós, em Cotia, o rádio posto no meio das quinquilharias da estante é o único conforto nos momentos em que ela se lembra da filha Selma, encontrada estrangulada e com inúmeras mordidas em todo o corpo. De uns tempos para cá, ela começou a ver vultos. "Quando estou sozinha costumo perceber alguma coisa mexendo atrás de mim. Tenho certeza de que é Selma", afirma, ainda muito abalada. Ela conta nos dedos as vezes em que saiu sozinha de casa, a maioria para arrumar emprego de copeira, que ainda não conseguiu. "Olho para cada homem e digo: este é bom, este é bandido." O pai de Selma, Antônio, desenvolveu diabetes e passou a sofrer do coração. O casal ficou meses sem fazer sexo. "Lembrávamos que ela foi morta estuprada e desistíamos."
Protesto João Severino Marinho, pai de Patrícia – outra vítima que acreditou nas mentiras de Francisco e acabou sendo morta –, protesta: "Mais revoltante que perder a filha é saber que o assassino dela virou um herói." Ainda revoltado, João economiza nas palavras quando o assunto é o "monstro", forma como o maníaco é tratado em sua casa. "Pouco me interessa o que vai acontecer com ele. Nada trará minha filha de volta", sentencia. Desempregado e com problemas de hérnia e gastrite agravados pelo nervosismo e andanças sem destino pelas ruas de São Paulo à procura de Patrícia – ela ficou três meses desaparecida –, João ainda luta na Justiça para receber os R$ 1 mil do fundo de garantia da filha. As três irmãs de Patrícia não se divertem mais. "Não vou a festas. Tenho medo quando um homem me olha nas ruas", diz Roberta, 19 anos.
Drama de uns, felicidade de outros. Para o travesti Tainá, que morou com Francisco, a exposição do caso na mídia lhe trouxe fama e sucesso. Seus shows eróticos em uma conhecida boate gay de Diadema passaram a ser concorridos. Para o delegado Sérgio Alves, responsável pelas investigações que resultaram na prisão do maníaco, o caso não serviu para uma promoção. Mas ele se diverte lendo as inúmeras cartas de amor que recebeu de mulheres do Brasil inteiro. "Ganhei muitas cuecas samba-canção de seda e propostas de casamento", revela.
Na cela do presídio de Taubaté desde o ano passado, Francisco lê a Bíblia desesperadamente, com preferência pelo livro do Apocalipse. Sua mãe acredita que ele se converteu. A exemplo do delegado, o maníaco também passa os dias respondendo as cartas que recebe de mulheres que se dizem apaixonadas. "Ele tem falado muito em Cristo e diz que vai virar pastor", afirma sua advogada, Maria Elisa Munhol. Como um bom argumento de defesa, ela diz que o motoboy passou a assinar "Francisco de Assis Pereira Jesus Cristo". A advogada aposta na tese de que ele deve ser internado como doente psiquiátrico e não como um preso comum. O julgamento pela morte de Selma deve acontecer até o final de maio. Dois inquéritos foram devolvidos por falta de provas.