Quando se trata de discutir os próprios salários, deputados e senadores não agem com a mesma seriedade com que discutem a remuneração do restante da sociedade. São dois pesos e duas medidas. Por duas vezes na semana passada isso ficou evidenciado. A primeira vez foi quando derrubaram, na Câmara, uma emenda da oposição que buscava um reajuste de 16,7% para as aposentados e pensionistas. Era algo impensável, ponderaram os deputados, pois tal medida provocaria no Orçamento um rombo de R$ 7 bilhões. Depois, o discurso da responsabilidade orçamentária foi repetido quando o Senado aprovou um projeto do deputado Efraim Morais (PFL-PB) que cria um abono de Natal para os beneficiários do Bolsa Família, uma espécie de 13º salário para o programa social. “Demagogia irresponsável”, protestaram os governistas. O tal aumento proposto por Efraim provocaria um impacto de mais R$ 700 milhões no Orçamento do Bolsa-Família. Na Câmara, onde o governo tem maioria folgada, o abono deverá ser derrubado.

O curioso é que durante a mesma semana, deputados e senadores tiveram
intensas reuniões para tratar dos seus próprios salários. Desta vez os parlamentares não parecem demonstrar o mesmo necessário cuidado com o dinheiro público. A proposta na mesa sugere a equiparação do vencimento do parlamentar, de R$ 12,8 mil, ao que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal, o teto do Poder Judiciário: R$ 24,5 mil. Ou seja, na mesma semana em que negaram um aumento de 16,7% para os aposentados, os deputados e senadores cogitaram como coisa natural se autoconcederem um aumento de nada menos que 92%. Enquanto para o Bolsa Família, um programa que atinge mais de 40 milhões de pessoas, boa parte do Congresso julga um absurdo um gasto de mais R$ 700 milhões, boa parte do mesmo Congresso considera natural aumentar em R$ 90 milhões – o impacto do aumento no Orçamento – o custo da Câmara e do Senado para um benefício concedido a pouco mais de 600 pessoas. Registre-se que há exceções: um grupo, capitaneado pelos deputados Fernando Gabeira (PV-RJ) e
Raul Jungmann (PPS-PE), criou na quarta-feira 22 um comitê suprapartidário contra o aumento salarial dos parlamentares.

A discussão sobre os salários dos parlamentares acontece no momento em que se discute a sucessão dos presidentes do Senado e da Câmara. A promessa de aumento torna-se, assim, moeda de troca nessa disputa eleitoral. O presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), candidato à reeleição, fez questão de lembrar que a equiparação dos vencimentos dos deputados e senadores aos dos ministros do Judiciário é “uma reivindicação antiga”. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que também tenta a reeleição, lembrou que a decisão sobre o assunto é “coletiva”. Na disputa pelo cargo de Aldo, o PT sugeriu um meio-termo: um aumento de 30% nos salários dos deputados. Antes mesmo de qualquer reajuste, um deputado chega a custar mais de R$ 100 mil por mês à Câmara quando se somam os seus vencimentos aos salários indiretos. Coisas como cota de passagens aéreas ou verbas indenizatórias para despesas com combustível ou alimentação. As informações constam de uma publicação da própria Câmara, intitulada Informações gerais ao deputado eleito. Até a semana retrasada, ela era disponível no site da Câmara. Depois da reportagem na última edição de ISTOÉ, não estava mais na página da internet, pelo menos na parte disponível ao público em geral.

A discussão sobre a equiparação do teto salarial dos Três Poderes tem ainda um outro problema. É algo como a corrida de um cachorro em busca do próprio rabo. Enquanto por um lado os deputados e senadores discutem como chegar aos R$ 24,5 mil pagos aos ministros do Judiciário, esses discutem uma forma de ultrapassar esse valor. Também na semana passada, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, movimentou-se para justificar situações que autorizassem pagamentos além do teto. É o que Ellen e os demais ministros chamam de “extrateto”. Para ela, aqueles que são integrantes do Conselho Nacional de Justiça merecem receber algo a mais por essa tarefa. Com o apuro de quem foi tradutora de línguas antes de virar juíza, Ellen Gracie classificou isso como um “overlapping” (sobreposição) de atividades. Ela quer enviar ao Congresso um projeto de lei propondo um jetom de 12% no salário a cada um dos 14 integrantes do Conselho Nacional de Justiça por sessão realizada. Se o projeto for aprovado, o teto salarial do Judiciário, na prática, ficará ainda maior. O que certamente ensejará novas discussões sobre equiparações no futuro.