No esquisito mundo da moda, Regina Guerreiro é inconfundível: sempre de preto da cabeça aos pés, o cabelo liso cortado à japonesa, ela gera à sua volta um pequeno turbilhão de gargalhadas, farpas e frases de efeito. Como jornalista e ex-diretora de revistas femininas, é considerada uma das responsáveis pela profissionalização da moda brasileira. Editora e diretora de Vogue durante 14 anos, tornou-se uma referência no universo cintilante e belicoso de modelos, fotógrafos e estilistas. Lançou nomes como Luana, nos anos 60, e Claudia Liz, nos 80, e deu empurrões, no melhor sentido da palavra, em griffes como Ocimar Versolato e J.R. Duran. Se a moda nacional passou a ser um bom negócio, bem que ela merecia uns royalties. Morando há dois anos em Paris, ela chegou na semana passada a São Paulo para participar do MorumbiFashion, que apresentará, de 4 a 7 de julho, as coleções de estilistas brasileiros para o verão do ano 2000. Regina vai comentar os desfiles para a Direct TV. E já antecipa: "Tenho certeza de que não faltarão duas tendências fortes, como o campo e o mundo lunar. Apareceram nas passarelas na Europa e fatalmente estarão aqui."

Regina não costuma poupar os estilistas. "Eles copiam demais", critica. "Tudo bem eles viajarem e olharem tudo, mas também deviam ficar atentos à mulher brasileira, em vez de só se preocupar com vaidade e faturamento." O que falta à moda nacional, segundo ela, é identidade. Nada a ver com raízes ou regionalismos, mas a capacidade de uma marca se fazer reconhecer no meio de centenas de outras. Com a globalização, esta é uma briga constante. Anos densos e gloriosos para ela são os das décadas de 60 e 70, quando tirava peças de sua casa para montar as produções da Vogue. "Não havia dinheiro, mas existia uma pureza, um sonho que não existe mais", lamenta. Para ela, hoje a edição de moda é burocrática, sem entrega. "As produtoras ligam para as assessorias de imprensa, informam o assunto e recebem na redação sacos e mais sacos de roupa para usar nas modelos. Isso é produção de moda?", protesta. E ataca: "A produtora copia a matéria que saiu na Harper’s Bazaar, o fotógrafo copia a foto que saiu na Vogue, o estilista já copiou a roupa que foi fabricada lá. Não tem mais nada para fazer", conclui.

Por conta disso, Regina confessa que pretende, aos poucos, se desligar do cenário da moda. "É um mundo maldito, alinhavado por muita fofoca, inveja e guerra de poder", descreve. A moda, ela garante, deu-lhe bons cargos, mas não lhe rendeu bons fluidos. Ela viajou a Paris para balanço. "Passei a vida longe de mim, sem me conhecer", diz. Quer esquecer a personagem que interpretou durante tantos anos. Vagamente situada na casa dos 50, ex-aluna de colégios de freiras, ex-hippie, ex-workaholic, ela passou por três casamentos. "Não é que eu chegava tarde. Eu não chegava: entre o estúdio e o jantar com o marido, eu optava pelo estúdio", conta. Ela se ocupa hoje com os trabalhos para a Direct TV e com a criação de catálogos para a marca Santista.

 

Contista A especialista em moda está escrevendo um livro. Mas quem espera mais um manual de elegância vai se surpreender. É um livro de contos. São dez histórias narradas por peças de roupa. Tem o sutiã mal-amado, a calcinha que só via as pontas dos sapatos dos homens, as memórias de uma saia de vida reta. Nunca pensou em fazer um livro sobre moda. "Você não pode encadernar uma pessoa. O que se pode é fazê-la descobrir sua própria capa", brinca. Elegância não se ensina, ela acredita. Considera Costanza Pascolato o melhor exemplo disso. "Ela é chiquérrima. Este é o grande trabalho da vida dela, ser chique", diz, agridoce. Já para Carmen Mayrink Veiga ela não tem meias-medidas: "Ela é uma grande perua."

Embora exilada, Regina jura que adora o Brasil. "Aqui há espaço, juventude e energia. A Europa está desgastada, as pessoas estão sem tônus por dentro." Ela já não vê os desfiles europeus com a empolgação de antes. "A moda passou a ser uma coisa sem graça, são 273 desfiles por estação, são tropas de tailleurs, de vestidos. Há um esvaziamento da moda", pontua. A prova disso é que quem faz sucesso hoje em Paris são ingleses, belgas e holandeses. E ela acha que Nova York pode passar a perna no título parisiense se as francesas não deixarem o desleixo de lado para se vestir melhor. "Elas andam meio desabadas ultimamente."