O símbolo do Maio de 1968 na França (o franco-alemão Daniel Cohn-Bendit), um general, herói "humanitário" da guerra na Bósnia (o francês Philippe Morillon), uma passionaria trotskista (a francesa Arlette Laguillier), cinco caçadores fanáticos, uma atriz ex-símbolo sexual e atual feminista (Gina Lollobrigida), um neto do general Charles de Gaulle ao lado dos que tentaram assassinar o avô, um juiz que coordenou a luta contra a corrupção (Antonio Di Pietro), a filha que concorre contra o pai e os inevitáveis genros que cospem uns nos outros (Jean-Marie Le Pen e família), um campeão de ciclismo (Francesco Moser), um jogador de futebol campeão do mundo (Paolo Rossi), um cineasta (Franco Zeffirelli), todos italianos. A reunião desta fauna política, difícil de convidar para uma mesma festa, é apenas uma amostra dos candidatos ao Parlamento Europeu, quase todos eleitos na semana passada.

Cerca de 300 milhões de europeus de 15 países estavam em condições de votar para eleger os 626 deputados do Parlamento Europeu, pelo voto proporcional. Pela primeira vez, os cidadãos europeus residentes em outro país da União Européia puderam não apenas votar nas listas nacionais como ser eleitos no país onde vivem. A campanha, marcada pelos bombardeios da Otan na Iugoslávia, teve como grande vencedor a abstenção recorde, com uma média de 51% nos 15 países. Chegou aos picos de 77% na Grã-Bretanha e 62% na Suécia.

Talvez por isso a maioria que vigorou no Parlamento Europeu desde 1979 foi invertida, deslocando-se da esquerda para a direita. O Partido Popular Europeu (PPE, de centro-direita) pulou de 201 para 224 deputados, enquanto o Partido Socialista Europeu (PSE) desceu de 214 para 180. Além da Alemanha e da Grã-Bretanha, os conservadores ganharam na Espanha, na Holanda, na Finlândia, na Grécia, na Itália e na Dinamarca. Uma maioria difícil de administrar, já que o leque político vai da democracia cristã à extrema direita, de europeus entusiastas e antieuropeus fanáticos. Isso sem falar dos problemas de ter de lidar com uma maioria de centro-esquerda, que governa 13 dos 15 países da União Européia.

Os maiores perdedores foram os trabalhistas de Tony Blair (caíram de 63 para 29 deputados) e os social-democratas de Gerhard Schröder (40 para 33). A dupla é responsável pela chamada Terceira Via, um movimento que pretende reduzir a social-democracia a uma espécie de neoliberalismo com verniz social. Ironicamente, os socialistas franceses, tachados de ultrapassados por rejeitarem as idéias de Blair & cia., foram um dos poucos a vencer estas eleições. O PS do primeiro-ministro Lionel Jospin conseguiu 21,9% (subiu de 15 para 22 deputados), recolhendo os frutos da estabilidade econômica e de uma política social arrojada em tempos de crise. Os socialistas também comemoraram em Portugal, onde obtiveram 43% dos votos contra os 35% anteriores.

Das barricadas à Otan Alguns verdes amadureceram, outros amargaram derrotas. Os alemães, divididos sobre a guerra no Kosovo, caíram de 10% para 6,7%. Já os belgas, beneficiados pelo efeito da "galinha louca", dobraram o número de deputados. Na França, a surpresa veio com Daniel Cohn-Bendit, líder do Maio de 1968 e cabeça da lista verde, que ficou com 9,7% dos votos e nove cadeiras, transformando os verdes no segundo partido da coalizão governamental. Apesar de ter nascido na França, Cohn-Bendit tem nacionalidade alemã e concorreu como alemão – o que, na França, não é exatamente simpático. Para o ex-líder estudantil, foi uma revanche única e a volta à política francesa pela porta da frente. Em 68, Danny, Le Rouge foi expulso do país como "estrangeiro indesejável" e banido durante dez anos. Para os conservadores, não passava de um "judeu-alemão". Primeiro a sair em campanha, que ele transformou em maratona, Cohn-Bendit distribuiu autógrafos, chamou os adversários para o debate e encheu as salas dos comícios como os ecologistas nunca conseguiram. E não hesitou em mandar às favas o histórico pacifismo dos verdes e apoiar o bombardeio da Otan à Iugoslávia. Mas Danny, le Vert não esquece as reminiscências de 68. Defensor da liberalização da maconha, ele não fuma nem traga. Prefere comê-la. E dá a receita de bolo de chocolate com Cannabis.

Os desiludidos com os socialistas e com o adesismo dos verdes fizeram renascer das cinzas a extrema esquerda francesa e pela primeira vez os trotskistas entraram no Parlamento Europeu. Uma aliança entre a Luta Operária, de Arlette Laguillier, e a Liga Comunista Revolucionária, de Alain Krivine – outro veterano de 68 –, permitiu à lista trotskista eleger cinco deputados. A veterana Laguillier passou 25 dos seus 55 anos sendo candidata a quase tudo, inclusive à Presidência da República. É uma figura já familiar e admirada pelos franceses, mesmo por aqueles que não partilham suas idéias. Embora ainda desfile com um mar de bandeiras vermelhas na rua e cante a Internacional em todas as ocasiões, Arlette está longe da imagem da revolucionária pronta a tomar de assalto o Palácio do Elysée. Hoje ela é vista como uma espécie de tia excêntrica, mas coerente.

De Gaulle move-se na tumba Já a direita francesa quebrou a cara. O neogaullista Reunião pela República (RPR), partido do presidente Jacques Chirac, disputou dividido em alas pró e contra a Europa e atingiu seu mais baixo nível na história. O bufão da extrema direita, Jean-Marie Le Pen, da Frente Nacional (FN), que vinha prometendo alcançar 20% dos votos, mal passou dos 5%. O partido se dividiu com a saída de Bruno Mégret. A filha mais velha de Le Pen, Caroline, saiu candidata pela lista do arquiinimigo do pai, enquanto as duas irmãs faziam campanha pelo chefe do clã. Os genros quase se pegaram a tapa. E as duas tendências, juntas, mal chegaram aos 9%.

Mas Le Pen conseguiu mesmo foi atrair contra si o ódio da família do general Charles de Gaulle (1890-1970), que ficou indignada com o fato de Charles de Gaulle neto ter sido o número dois na lista de Le Pen. Da mesma lista fazem parte simpatizantes nazistas e ex-dirigentes da Organização do Exército Secreto (OAS), grupo terrorista que várias vezes tentou assassinar o ex-presidente. "Nós queremos que todo mundo saiba que a família De Gaulle não tem nada com isso e não navega nessas águas turvas", declarou Geneviève de Gaulle, sobrinha do líder. Se vivo fosse, le général certamente teria muito mais afinidades com o ex-enfant terrible Cohn-Bendit do que com seu patético descendente.