16/08/2000 - 10:00
Uma das regiões de maior potencial turístico do País, com um patrimônio natural de valor incalculável, o Pantanal mato-grossense é hoje uma área cobiçadíssima por algumas das maiores empresas do Brasil. Atraídos pela possibilidade de usar o gás natural que navega pelo Gasoduto Brasil-Bolívia – eventualmente captado junto das jazidas pela metade do custo –, gigantes como a Petrobras, Vale do Rio Doce, Odebrecht, Belgo Mineira, Monteiro Aranha e também a americana Duke Energy já ajustaram suas miras e transformaram a parte sul do Pantanal em um ponto privilegiado para os seus investimentos. O Mato Grosso do Sul, especialmente na fronteira com a Bolívia, próximo à cidade de Corumbá, deverá receber a maior parcela desse dinheiro. Três projetos – uma usina termoelétrica, um pólo siderúrgico e um petroquímico – são as molas propulsoras desse movimento e devem levar ao Estado cerca de US$ 1 bilhão nos próximos cinco anos. O presidente Fernando Henrique Cardoso é esperado na região em outubro. Consta que ele iria lá lançar a pedra fundamental da termoelétrica (anunciada há duas semanas pelos sócios Petrobras e Duke), aproveitando a oportunidade para marcar pontos com a opinião pública. Oficialmente, entretanto, a assessoria da Presidência informa não haver nenhuma viagem agendada.
As empresas envolvidas evitam o assunto, mas não negam que as conversas, longe dos holofotes, têm se dado intensamente. E envolvem, além das empresas citadas, o Ministério das Minas e Energia, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Governo do Mato Grosso do Sul.
Isenção – O caso do pólo petroquímico é o mais palpável. A Companhia Petroquímica Paulista (CPP), sociedade da Petrobras e Odebrecht, responsável pelo negócio, já veio a público confirmar a decisão. Trata-se de transferir unidades de produção de matéria-prima para a indústria de plástico, hoje funcionando em Paulínia, no interior paulista, para Corumbá. O investimento somaria algumas centenas de milhões de dólares.
O pólo siderúrgico, parceria da Vale e da Belgo, é mais complicado. Até aqui, elas se recusam a falar sobre o tema. Comenta-se, entretanto, que devem anunciar em breve investimentos conjuntos de US$ 400 milhões na região. Iriam ter combustível mais barato para tocar suas fábricas, além de benefícios fiscais e uma ajuda na infra-estrutura, prometidos pelo governo estadual. “Tivemos de criar as condições para que o negócio fosse viável. O gás natural precisa chegar a um preço compatível e o Ministério das Minas e Energia foi o carro-chefe desse processo”, diz Pedro Teruel, secretário de Infra-estrutura do Mato Grosso do Sul. O governo estadual, por sua vez, se comprometeu a abrir mão do ICMS. O diretor de Gás e Energia da Petrobras, Delcídio do Amaral Gomez, diz que ainda faltam alguns detalhes para fechar a engenharia financeira em torno do preço do gás natural que vai permitir o funcionamento das fábricas.
Nos bastidores, as reclamações de quem, por enquanto, está de fora dos projetos no Mato Grosso do Sul já começaram. E dependendo das vantagens que forem acertadas, a chiadeira da concorrência pode até inviabilizá-los.
Desenvolvimento de improviso
O provável nascimento de um pólo industrial e petroquímico no coração do Pantanal é um efeito colateral e em parte inesperado dos desencontros da política cambial e energética. Quando o governo brasileiro assinou o acordo de importação, comprometeu-se a pagar pelo gás uma tarifa em dólares bem mais alta que a vigente no país de origem, a Bolívia, à qual se acrescentou um custo de transporte inflado pelos prolongamentos do gasoduto à região Sul e a Minas Gerais.
Essa tarifa não era alta a ponto de tirar a competitividade do gás natural como fonte de energia, mas, antes do gasoduto ficar pronto, veio a desvalorização do real. Em seguida houve reajustes das tarifas de energia elétrica, mas menores do que o aumento do dólar. O resultado foi que o preço da energia elétrica no Brasil, em dólar, ficou mais baixo, bem mais baixo do que o normalmente vigente na Europa ou nos EUA.
Como o preço do gás, em dólar, continuou o mesmo, assim como o dos equipamentos importados para as futuras usinas termoelétricas que o utilizariam, as transnacionais que haviam manifestado interesse por construí-las estrilaram e continuam estrilando até hoje. Por que haveriam de construir usinas no Brasil se nos EUA ou na Europa, onde também há demanda, poderiam receber mais pelo mesmo investimento?
Enquanto continua a discussão, a seca no Sudeste e a recuperação da produção industrial aumentam o risco de faltar energia elétrica antes do final do ano e a maior parte das quarenta e tantas termoelétricas prometidas continua no papel. Mas não todas: no Pantanal, a proximidade da fronteira boliviana permite às empresas construir parte de suas usinas do lado boliviano, pagando pelo gás uma tarifa bem mais baixa que a média mundial, que torna bem rentável a venda da eletricidade a preços brasileiros.
O mesmo tipo de embrulhada tornou interessante a instalação de petroquímicas no local. Os dois maiores pólos petroquímicos hoje existentes no Brasil foram planejados durante o regime militar, quando o objetivo não era obter lucratividade numa economia globalizada, mas estimular a industrialização da Bahia e do Rio Grande do Sul e conseguir auto-suficiência em matérias-primas indispensáveis para o resto da indústria. Mesmo se isso as obrigasse a usar uma matéria-prima cara e em parte importada: gasolina pura que, vendida para a petroquímica, passa a atender pelo nome de nafta.
Apesar de economicamente ilógico, o sistema foi lucrativo enquanto as importações eram barradas por tarifas elevadas e a Petrobras subsidiava o preço da nafta. No início da década de 90, o mercado foi aberto às importações. E, a partir do final da década, decidiu-se retirar o subsídio à nafta, justamente quando seu preço internacional subia como um foguete. Resultado: a nafta passou de pouco mais de R$ 100 por tonelada no início de 1999 a mais de R$ 500 hoje, ameaçando interromper uma boa fase do setor petroquímico.
Mas não para todos: alguns dos mais demandados produtos petroquímicos – como o polietileno, usado na grande maioria das embalagens plásticas – podem ser fabricados usando como matéria-prima, em vez de nafta, o gás natural, cujo preço é muito menos volátil e normalmente bem mais baixo. Em todos os países onde é abundante – incluindo EUA, Argentina, Venezuela e Oriente Médio – ele é a matéria-prima favorita da petroquímica.
No Brasil, assim que foi viabilizada a exploração de gás natural na Bacia de Campos, surgiu o projeto do pólo gás-químico do Rio de Janeiro, que está prestes a sair do papel. E agora, com o gás da Bolívia ameaçando micar por falta de comprador, nada mais lógico do que pensar em aproveitá-lo na petroquímica, ganhando uma bela vantagem sobre os concorrentes dependentes da nafta. O grupo Odebrecht, forçado a sair do pólo da Bahia por falta de condições financeiras, daria uma bela volta por cima e ainda pode deixar de lembrança uma dor de cabeça para quem ficar com Camaçari: dado o aumento dos custos dos produtos petroquímicos, pode ser – principalmente se a recuperação dos próximos anos não for o que se espera – que a demanda não cresça tanto quanto se espera e sobre polietileno no mercado nacional. Nesse caso, as fábricas mais bem localizadas e com custo mais baixo tendem a ganhar o mercado interno e o Mercosul e as demais seriam obrigadas a exportar (o que normalmente é bem menos rentável) ou permanecer ociosas.
Pode parecer que o Pantanal, embora melhor provido de energia e matéria-prima que a Bahia, está igualmente longe dos grandes mercados consumidores, mas não é bem assim. Está conectado com os centros urbanos do Sudeste do Brasil e da Bolívia por estrada de ferro e com as capitais da Argentina, Uruguai e Paraguai por uma excelente hidrovia. Além disso, energia abundante e barata na forma de gás e eletricidade deve estimular a instalação de pequenas indústrias de embalagens e bens de consumo, criando um mercado local de certa importância. Sua sinergia pode ser suficiente para estimular maior exploração das reservas locais de ferro, manganês e outros minerais, atraindo indústrias metalúrgicas, bem como de reflorestamentos.
Entretanto, as indústrias que ali se localizarem terão de se preparar para assumir o peso de uma responsabilidade ambiental particularmente importante. No paraíso ecológico do Pantanal, um acidente como o que ocorreu com a Petrobras no Paraná poderia ter consequências muito mais sérias, e até comprometer o relacionamento com os sócios do Mercosul — pois uma contaminação do rio Paraguai seria desastrosa para nossos três sócios e suas respectivas capitais às margens do Paraguai e do Prata, que recebe suas águas.
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa