Há alguns meses, quando a Arábia Saudita anunciou um aumento de produção do petróleo, a expectativa da imprensa especializada era de que o preço entraria em trajetória de queda gradual e chegaria a algo como US$ 20 o barril, suposição que orientou as projeções macroeconômicas no Brasil e no Exterior. Mas os estoques de petróleo dos Estados Unidos atingiram o nível mais baixo dos últimos 24 anos e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) não parece disposta a aumentar a produção tão cedo.

Contrariando os especialistas, o preço continuou a subir, rompendo a marca dos US$ 32 por barril – a cotação mais alta desde a guerra do Golfo, em 1990 –, enquanto a reeleição de Hugo Chávez e sua triunfal visita a Saddam Hussein consolidam a aproximação entre a Venezuela e os árabes que possibilitou essa alta. Tanto no Brasil quanto nos EUA as pressões inflacionárias poderão continuar presentes pelo menos até o final deste segundo semestre. Para reprimi-las, o FED pode aumentar o aperto na taxa de juros americana, esfriando o ritmo da economia não só em seu país como em todo o mundo.

No Brasil, além de se preocupar com a possível queda da demanda americana e seus efeitos sobre as exportações brasileiras, o governo tem nas mãos um dilema interno. Se determina o repasse do aumento do preço internacional para os postos, gera mais inflação. Isso deve tirar votos nas eleições municipais, mas, para suas contas, a curto prazo não é ruim: mais inflação significa menores juros reais sobre uma parcela substancial da dívida pública – mas menores ganhos para os que conseguem poupar, como percebeu quem aplicou na poupança em julho, que rendeu apenas 0,66% para uma inflação de 1,91%.

Meta em risco – No entanto, meses seguidos de inflação superior a 1% mensal comprometeriam a meta de um índice de 6% para o ano todo. Isso aumentaria o “risco Brasil” do ponto de vista dos investidores, que exigiriam juros ainda mais altos para continuar segurando os papéis de nosso governo e desestabilizariam seriamente a frágil armação das contas públicas brasileiras.

Por outro lado, se determinar que a Petrobras absorva o aumento do preço internacional, o governo abre mão de uma das fontes do superávit primário com que se comprometeu com o FMI. Esse parece um mal menor: por enquanto, as metas de superávit têm sido cumpridas com certa folga. Também diminui o lucro da empresa, mas ela já produz 70% de nossas necessidades de petróleo a um custo que é bem superior ao da produção num país como o Kuwait, mas também é bem inferior ao atual preço internacional do produto.

Não se poderia exigir isto de uma empresa privada, mas, para uma estatal, não é incomum abrir mão de parte de seu lucro se e quando isso convém ao interesse do governo. Os acionistas minoritários que acabaram de comprar as ações da empresa é que poderiam reclamar. Não só porque o lucro deste ano não seria tão grande quanto poderiam esperar. A maioria dos estrangeiros que comprou ações da Petrobras, aumentando as reservas cambiais em US$ 2,04 bilhões, está apostando numa valorização em função da privatização total a médio prazo. Porém, se o governo tiver necessidade de regulamentar os preços dos combustíveis, a perspectiva de uma verdadeira liberação desse mercado terá de ser adiada – e a de uma privatização, mais ainda.

Efeitos da escassez – Um esfriamento da economia americana ou um desentendimento entre os membros da Opep pode reverter temporariamente a atual alta dos preços. Mas, numa perspectiva de longo prazo, o petróleo continua sendo recurso finito e não renovável, ao passo que seu consumo mundial não pára de crescer. O ritmo de novas descobertas tem diminuído e especialistas do setor estimam que aproximadamente a metade de todo o petróleo que existia originalmente no planeta estará consumida nos próximos cinco anos. Daí para a frente, a escassez só aumentará e, como as últimas reservas a se esgotar serão certamente as dos grandes exportadores da Opep, o mesmo ocorrerá com a força do cartel. Se não formos capazes de substituir o petróleo, teremos um repeteco, mais duradouro, das crises dos anos 70 e 80.

Administrar essa escassez crescente e a transição para fontes de energia alternativas será mais viável se o governo não desmontar seus mecanismos de regulação do mercado de energia. Uma Petrobras sob controle privado atuando num mercado liberado dificilmente investiria em pesquisa e produção de petróleo no Brasil. Do ponto de vista da globalização, hoje faz pouco sentido buscar petróleo em alto mar a mais de mil metros de profundidade enquanto for possível encontrá-lo com menor custo e maior abundância em muitos outros países. Seu interesse, como demonstra o comportamento do privatizado setor petrolífero argentino, seria simplesmente enxugar ainda mais o quadro de pessoal e – sem ligar para inflação, balança comercial e desemprego – lucrar com a estrutura existente e as reservas já descobertas até esgotá-las.