16/08/2000 - 10:00
Hotel Marriott Marquis, na Times Square, o coração de Nova York, tem três andares inteiros reservados a salas de conferências. É um complexo capaz de receber ao mesmo tempo vários congressos e milhares de participantes. Nos primeiros dias de agosto, esse gigantesco centro foi totalmente ocupado por uma única categoria de profissionais. Eram peritos e investigadores internacionais de fraudes eletrônicas interessados em saber das novidades em sua fecunda área de atuação. Mais de três mil membros dessa tribo próspera, que inclui brasileiros, reuniu-se na 11ª Conferência Anual sobre Fraude, promovida pela Association of Certified Fraud Examiners, organização americana que funciona como uma associação internacional da categoria. E, pelo que se viu, os negócios estão a todo vapor. Com a globalização de maracutaias e picaretagens diversas, o que não falta no planeta é fraude. A internet tornou-se um dos instrumentos mais importantes no arsenal dos criminosos. De lavagem de dinheiro do narcotráfico, passando por evasão fiscal, os investigadores de fraudes estão soterrados em trabalho.
Pegue-se os exemplos dados pelo agente especial Robert Pocica, do Federal Bureau of Investigation (FBI), a polícia federal americana. Em 1997, o FBI recebeu 1.280 queixas envolvendo fraudes eletrônicas. Na mais recente contabilidade oficial, de 1999, os casos pularam para 10.600. Outra agência governamental, a Federal Trade Commission, recebeu 17 mil reclamações. Já se sabe que, desse montante, mais de 70% das vítimas são homens entre 20 e 50 anos e apenas 21% são idosos. Os principais mecanismos de fraude online são leilões (em que a mercadoria não é entregue), roubo do número do cartão de crédito e várias formas de conto-do-vigário. Desde promoções de venda de carro ou imóveis a preços reduzidos até consultoria para abrir uma conta no exterior. A maior parte dos golpes envolve pagamento adiantado. A média de prejuízo individual é de US$ 920. “É um mundo rápido, enfrentamos desafios nunca vistos”, disse o experiente agente que participou da força-tarefa para a captura do terrorista tecnofóbico Unabomber. Baseadas na atual avalanche de casos, as autoridades calculam que em cinco anos o índice de crimes digitais aumentou 600%. As fraudes via internet atingem a estonteante soma de US$ 250 bilhões ao ano.
“Os criminosos descobriram várias vantagens na internet: simplicidade de operações, excelente relação entre custo e efeito, rapidez, grande abrangência nas operações, credibilidade (os sites bem-feitos dão ares de legitimidade ao esquema) e anonimato”, aponta Pocica. “É parecido com o que enfrentamos com a invenção do automóvel. Naquela ocasião, os criminosos ganharam mobilidade, conseguindo atravessar fronteiras em pouco tempo. Por isso foi criado o FBI”, diz. E para enfrentar os novos tempos o governo americano repetiu a dose empregada com os bandidos no passado, como a dupla de assaltantes de banco Bonnie & Clyde. Criou uma agência de investigação e repressão ao crime digital, o Internet Fraud Complaint Center (IFCC), espécie de centro de reclamações para auxiliar as vítimas de fraudes eletrônicas. Qualquer cidadão do mundo pode acessar o serviço no site www.ifccfbi.gov. “Desde que o criminoso tenha operado dentro dos 50 Estados americanos, a agência entra em ação independentemente da nacionalidade da pessoa lesada”, diz o agente. De acordo com o FBI, 85% das vítimas são americanas, assim como 91% dos criminosos. Os países que mais abrigam fraudadores são Estados Unidos, Nigéria, Romênia, Reino Unido e Ucrânia.
Caixa dois – “No Brasil também temos visto fraudes desse tipo”, disse a ISTOÉ o perito brasileiro Marcelo Gomes, 36 anos, diretor da empresa GBE Peritos e Investigadores Contábeis, em atividade desde 1986 e, no mundo eletrônico, desde 1993. “A fonte de fraudes brasileiras ainda está nas empresas, são os próprios funcionários”, afirma Gomes. No Brasil, a via eletrônica serve como meio para fugir dos impostos e transferir dinheiro ilegalmente para contas nos famosos bancos do Caribe e de outros paraísos fiscais. “Já tivemos casos de gerentes de banco que pegaram o dinheiro de clientes prometendo remetê-lo para contas no exterior, mas acabaram mandando para suas próprias contas. Essa gente sabe que dificilmente a vítima irá reclamar. A operação toda já começa ilegal”, atesta o perito. São desfalques que vão de R$ 350 até R$ 2 milhões. “Fazemos cerca de 50 investigações por ano, mas só dois casos chegaram aos tribunais no ano passado”, conta Gomes. Muitos clientes têm medo das repercussões negativas por parte dos clientes ou não querem enfrentar problemas legais. Ou, o que é pior, têm telhado de vidro. “É o caso de gente que reclama do contador que roubou dinheiro do caixa dois ou o fundo de propinas para fiscais.” Nesses casos, diz Gomes, “aconselho a pessoa a ir embora e procurar melhorar sua forma de trabalho.”