O cenário é composto por temas musicais. O repertório varia de acordo com o gosto de cada um. No papel principal encontra-se um paciente expressando seus sentimentos, relaxando ou buscando alívio para a dor. O palco onde as cenas acontecem não faz parte nem de um teatro nem de um show, mas de um consultório ou de um hospital. Trata-se da aplicação da musicoterapia. Essa técnica usa o som para combater stress, ansiedade, depressão, problemas neurológicos, dores crônicas e autismo – distúrbio no qual o indivíduo se isola do mundo real.

O método conquista espaço nos hospitais. Em 1999, o Instituto do Coração (Incor) de São Paulo aderiu. A instituição adota a terapia para diminuir a tensão de bebês, crianças e adolescentes que se preparam ou acabam de sair de cirurgias. A iniciativa é da associação Arte Despertar. “A música atenua a ansiedade”, diz a musicoterapeuta Ana Cristina Parente, uma das regentes desse concerto. Até dezembro a Liga de Dor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) deve seguir o exemplo.

Há algumas hipóteses para explicar como a musicoterapia ajuda a resolver diversos males. Os especialistas partem do princípio básico de que ela mexe com o corpo. Ao escutar uma melodia a pessoa pode chorar, rir, ter seu batimento cardíaco acelerado e até mesmo ficar com raiva. A música também é uma maneira de se entrar em contato com o mundo. Por isso é usada em casos de autismo. “É uma forma de comunicação”, define o musicoterapeuta Renato Tocantins Sampaio, de São Paulo. Os ansiosos, estressados ou depressivos incluem-se entre os que encontram alívio com o uso da técnica. Os sons estimulam a liberação de serotonina, um neurotransmissor (substância que faz a comunicação entre os neurônios) envolvido nas sensações de prazer e relaxamento.

Cérebro – Até mesmo quem está em coma responde ao tratamento. “Apesar de estar inconsciente, a pessoa mantém acesa sua memória sonora e o som pode formar novas conexões entre os neurônios”, afirma Maristela Smith, presidente da Associação dos Profissionais e Estudantes de Musicoterapia do Estado de São Paulo. Pacientes com lesões no cérebro também se beneficiam da técnica. A melodia estimula o funcionamento de várias regiões cerebrais, como as áreas responsáveis pela emoção, memória e controle motor. “Ela ajuda doentes com o mal de Alzheimer a se lembrarem de fatos da vida afetiva e facilita os movimentos dos portadores de mal de Parkinson”, explica o neurologista Mauro Muszkat, da Universidade Federal de São Paulo.

Estudioso do assunto, o médico investiga como o som auxilia no controle de algumas formas de crises epilépticas, causadas pela excitação excessiva dos neurônios. Pesquisas sugerem que músicas de alta complexidade rítmica e melódica, como as de Mozart, diminuem as crises. Para aprofundar ainda mais seu trabalho, Muszkat quer montar um laboratório-estúdio. Uma das idéias é criar músicas específicas para cada doente. Um dos aspectos relevantes para os especialistas é justamente a cultura musical da pessoa. “Às vezes, o paciente não reage bem a um tipo de música, o que pode agravar ainda mais o seu estado”, alerta a musicoterapeuta Cléo Correia, de São Paulo.

A enfermeira e pesquisadora Eliseth Leão prescreve aos pacientes apenas clássicos. “Tudo o que ouvimos foi originado desse tipo de música”, argumenta. Em seu mestrado defendido na FMUSP, ela mostrou que o som alivia dores crônicas, como as provocadas pela fibromialgia – dor muscular lancinante de causa desconhecida. Foram analisadas 40 pacientes do Hospital das Clínicas (SP). Durante o tratamento, a enfermeira mediu a pressão arterial e a frequência cardíaca para perceber se elas estavam relaxando. “Cerca de 90% das voluntárias contaram que suas dores tinham diminuído”, afirma. De acordo com Eliseth, a música estimula a liberação de endorfina – substância que age como um analgésico.

Grande parte dos especialistas, no entanto, entende que a musicoterapia é mais eficaz quando o próprio paciente se aventura a tirar sons dos instrumentos. Dessa forma, ele expressa seus sentimentos de maneira contundente. Uma batida forte numa bateria, por exemplo, pode representar manifestação e liberação de raiva. A professora Lígia Martins Nacarelli, 54 anos, há dois anos faz o tratamento contra stress e usa os instrumentos como forma de dizer o que sente. “A musicoterapia me ensinou a colocar para fora os meus problemas”, conta.

As primeiras notas

 

Na Antiguidade, a música já era usada em tratamentos. Para os egípcios, ela ajudava a aumentar a fertilidade da mulher. Mas a musicoterapia ganhou fôlego somente na Segunda Guerra Mundial, com o trabalho das enfermeiras americanas Harryet Seymor e Isa Ilsen. Elas usavam música para combater a dor física e psicológica dos feridos das batalhas. No Brasil, a técnica surgiu no final da década de 60 e, aos poucos, as notas musicais estão espalhando seus sons pelo País afora.