Basta um segundo para lembrar de alguém que se queixa de noites maldormidas. Não é para menos. Sessenta e oito milhões de brasileiros têm dificuldade para adormecer, manter o sono ou acordar com a reconfortante sensação de ter repousado. A cada 100 adultos, calcula-se que 40 saiam da cama ainda cansados, com o corpo doído e, às vezes, de mau humor. São as vítimas da insônia, sofrimento que angustia como poucos a sua vítima. Afinal, não há nada mais aflitivo do que observar os ponteiros do relógio avançarem noite adentro, minuto a minuto, sem conseguir fechar os olhos e deixar que o corpo descanse para a maratona do dia seguinte. A sensação é horrível, como sabe bem a artista Anelis Assumpção, 20 anos. Há um ano ela luta contra o sono que sobra durante o dia e falta de noite. “Tenho muito sono de manhã e, quando acordo, sinto que já devia estar de pé fazia tempo”, conta. Como tem dificuldade para dormir, a artista criou uma rotina que a ajuda varar a madrugada.

Os milhões de insones brasileiros, no entanto, já têm motivos para comemorar. Consolidam-se pelo País os centros criados especialmente para estudar e tratar a insônia, ao mesmo tempo em que, no resto do mundo, a ciência também se esforça para encontrar soluções. Felizmente, o resultado dessa mobilização já pode ser desfrutado. Existe em andamento uma revolução nos métodos de tratamento, nos medicamentos e nas pesquisas de novos remédios usados para recuperar o bom sono perdido. A falta de sono – e de descanso – está deixando de ser vista como um problema menor, que não deve ser levado a sério. Essa mudança na maneira de olhar o que antes era considerado um incômodo banal se justifica principalmente pela constatação de que dormir mal tem consequências muito mais graves do que o mau humor do dia seguinte. Se no início a insônia traz cansaço e irritabilidade, com o tempo vira uma bola de neve. Dormir menos cria um débito de sono, algo parecido com um saque além do limite bancário. E o organismo cobra juros altos. De acordo com o psiquiatra Goran Hajak, da Georg-August University Göttingen, na Alemanha, ficar 24 horas sem dormir, por exemplo, compromete a agilidade do pensamento e aumenta a chance de se distrair com informações irrelevantes. Na opinião do especialista, que participou de um ciclo de palestras sobre insônia há dois meses, em Mônaco, também há redução do número de palavras do vocabulário. O médico vai além. De acordo com ele, a capacidade de realizar um trabalho mental, por exemplo, diminui 25% a cada 24 horas sucessivas de vigília. Não é à toa que, conforme estatísticas germânicas, mais de 50% do total de acidentes, envolvendo carros e situações de trabalho, entre outros, ocorrem à noite, e a maioria está relacionada à sonolência.

Na semana passada, outra pesquisa revelou mais uma sequela da insônia. Dormir mal ou pouco pode apressar o envelhecimento. A constatação é da cientista Eve Van Carter, da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Ela verificou que a diminuição da quantidade de hormônio do crescimento no organismo está relacionada com a redução da quantidade de sono profundo. O problema é que a queda de produção do hormônio acarreta, por exemplo, a diminuição da massa muscular e do fôlego para exercícios físicos. Portanto, uma das conclusões que se pode tirar do trabalho é a de que, quanto mais se dormir profundamente, maior a chance de manter o vigor da juventude.

 

Essas descobertas são fruto do trabalho da ciência para desvendar o mundo do sono – ou da falta dele. E o conhecimento adquirido até agora foi capaz de revelar apenas parte do intrincado mecanismo do adormecer. Já se sabe, por exemplo, que, em geral, o sono de uma noite é composto por quatro a cinco ciclos. São fases distintas, nas quais o organismo e a mente se comportam também de maneira diferente. Informações como essas acabaram colaborando para o estabelecimento de uma definição mais abrangente do que é a insônia. Hoje, varar a madrugada sem dormir, acordar muitas vezes durante a noite ou sentir fadiga na hora de levantar são situações suficientes para incluir a pessoa na lista dos atingidos pelo distúrbio. “Insônia é a pessoa achar que teve um sono ruim”, resume o neurologista Ademir Baptista da Silva, do Laboratório do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ou seja, não interessa quanto se dorme, mas como se dorme. Prova disso é um dos resultados da pesquisa feita pelo neurologista Geraldo Rizzo, do Laboratório do Sono do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre. Ele entrevistou mil porto-alegrenses para avaliar hábitos de sono. Descobriu que 34% acordam cansados. “Dormir muito não significa dormir bem”, afirma. E se as noites maldormidas se estendem por um período maior do que três semanas, trata-se de uma insônia crônica. Um dos benefícios desse esforço em conhecer mais a insônia é que a população está mais informada e procurando ajuda. “Há sete anos, o número de consultas era cinco vezes menor”, calcula o neurologista Rubens Reimão, de São Paulo.

Outro progresso foi o levantamento das causas do problema. Hoje, já se sabe que elas são variadas. Incluem desde a ansiedade e o stress – quem nunca passou noites em claro pensando nos problemas? – até distúrbios orgânicos que prejudicam o sono. Entram nessa lista motivos até prosaicos. “As esposas de homens que roncam, por exemplo, são muito sujeitas a ter alterações do sono”, observa o neurologista Luciano Ribeiro Pinto, do Instituto do Sono do Departamento de Psicobiologia da Unifesp. As razões da insônia são identificadas a partir de uma boa análise clínica e da polissonografia, exame que avalia os batimentos cardíacos, movimentos musculares e ondas cerebrais durante o sono.

A descoberta do amplo leque de causas das noites maldormidas está gerando uma saudável transformação nos métodos de tratamento do problema. A primeira pode ser observada na área dos medicamentos. Até oito anos, a única opção para dormir melhor eram os benzodiazepínicos, alguns deles responsáveis por efeitos colaterais como sonolência ou dificuldades de atenção e concentração no dia seguinte ao seu uso (existem substâncias desse grupo que não causam tanta sedação ou ressaca no outro dia). Essa mesma categoria de drogas também pode oferecer risco de dependência. Hoje, elas são cada vez menos usadas. Estão perdendo espaço para uma nova categoria de remédios, que nem de longe apresentam os mesmos incômodos – muito menos a ameaça de dependência – e oferecem ação rápida: reduzem significativamente o tempo que se leva para pegar no sono e, portanto, podem ser tomados quando a pessoa já se deitou e não consegue dormir. Em setembro, desembarca no Brasil o mais novo representante dessa classe. Trata-se do zaleplom (nome comercial Sonata), disponível em 16 países. O grupo ainda é composto pelo zolpidem (nomes comerciais Stilnox e Lioram) e pelo zopiclone (nomes comerciais Imovane ou Neurolil). O Sonata, no entanto, apresenta uma vantagem. Pode ser usado no meio da noite. Isso porque ele não fica no organismo mais do que cinco horas. Dessa forma, pode-se ingeri-lo às 3 da manhã e acordar às 8h bem disposto. Nenhuma das novas drogas é tomada por mais de 30 dias consecutivos. Por uma razão simples. “Elas atuam somente nas crises, e por isso devem ser utilizadas para atenuar os sintomas até que as causas do problema sejam tratadas”, esclarece o neurologista Flávio Alóe, do Centro de Estudos do Sono do Hospital das Clínicas de São Paulo.

 

Causas – O especialista toca num ponto fundamental na briga contra a insônia. Para acabar com ela, é preciso chegar à sua origem e tratá-la. As estratégias variam, é claro, de acordo com cada problema. Uma delas é ensinar ao paciente a chamada higiene do sono. O objetivo é estabelecer uma rotina que facilite o adormecer. Isso inclui respeitar horários para ir e se levantar da cama, fazer exercícios físicos de cinco a seis horas antes de se deitar e adotar até conselhos de nossas avós, como tomar um copo de leite com açúcar antes de tentar pegar no sono. Há casos nos quais é necessário recorrer à terapia psicológica para mudar a forma de entender a insônia e de lidar com ela. Foi o que fez a dona de casa Miralva Matos Dias, 50 anos, de São Paulo, fiel às sugestões recebidas nas sessões de aconselhamento psicológico prescritas pelo neurologista Luciano Ribeiro Pinto para superar um convívio de dois anos com as noites maldormidas. “Aprendi a espantar da cabeça as preocupações na hora de ir para a cama e a caminhar todos os dias para relaxar”, conta Miralva. Outra que se beneficiou da terapia foi a dona de casa Ana Lúcia Machado da Silva, 53 anos. Ela chegava a passar as noites em claro porque estava enfrentando problemas familiares. Por causa disso, teve depressão. No ano passado, resolveu procurar ajuda médica. Foi orientada a tomar antidepressivo (alguns desses remédios, além de combater a doença, ajudam a dormir) e a fazer terapia. Ana Lúcia ainda continua em tratamento, mas garante que agora dorme bem melhor. “A terapia me ensinou a conviver com os problemas.”
Outra forma de enfrentar o distúrbio é apostar na restrição do sono. É um jeito de fazer com que o organismo da pessoa “implore” por um pouco mais de descanso. E isso é feito gradativamente. Se o paciente estima que dorme cinco horas, ele deve permanecer na cama no máximo cinco a seis horas por noite e no mínimo quatro horas. “A privação de sono obrigará o insone a dormir mais rapidamente na noite seguinte, diminuindo a tensão e a expectativa antes de adormecer”, explica o médico Flávio Alóe. Os especialistas também aconselham a adoção de práticas de relaxamento. Yoga, por exemplo, é uma ótima atividade. E, se o sono não vem mesmo com toda a vontade, é preciso deixar o quarto. “Existe uma tendência de se desenvolver associações entre sentimentos de frustração, ansiedade e raiva com o ambiente e o ato de dormir. O fato de se abandonar o ambiente onde se dorme diminui esta associação negativa”, esclarece Alóe.

O arsenal contra insônia cresceu tanto que hoje inclui boa parte das técnicas da medicina alternativa. A fitoterapia (tratamento no qual se utilizam remédios feitos à base de plantas) é uma delas. Algumas das plantas mais usadas são a valeriana e a kava-kava. As duas costumam ser utilizadas para diminuir a ansiedade, que atrapalha o dia e a noite. O balconista Antonio Licínio, 56 anos, está satisfeito com o remédio à base de kava-kava que decidiu tomar por conta própria. No ano passado, Licínio teve problemas financeiros e, por causa disso, não conseguiu mais dormir direito. Adormecia durante apenas três horas por noite. “À tarde, queria ir para a cama e passava o dia todo irritado”, lembra. Com o fitoterápico, garante que melhorou. De acordo com os fitoterapeutas, a kava-kava possui substâncias que atuam no sistema nervoso central e diminuem de fato a ansiedade. Na opinião de muitos médicos, no entanto, a planta tem apenas o chamado “efeito placebo”, quando o paciente acaba sugestionado a acreditar que o remédio é eficaz. Os florais (técnica que usa preparações à base de flores) são outro recurso da medicina alternativa contra a insônia. “A indicação do floral depende do estado de cada um. Pode ser que a pessoa não durma porque rumina pensamentos ou está agitada”, explica Thaís Delboni, professora do curso de pós-graduação em terapia floral da Faculdade de Enfermagem da Universidade de São Paulo.


Nos centros de estudos e tratamento do sono, no entanto, a aposta é na combinação de diversos métodos para restituir o sono saudável. O programador visual Marcelo Sobral, 34 anos, seguiu a lição à risca. Depois de contar muito carneirinho, como ele mesmo lembra bem-humorado, Sobral decidiu acolher o conselho de uma amiga. Procurou um tratamento homeopático e, junto com ele, começou a tomar o medicamento alopático Stilnox, receitado por outro médico. Também passou a obedecer os mandamentos do bom sono. “Faço ginástica de manhã e, à noite, desligo meu computador às 21h30. Depois, vou relaxar e ler qualquer coisa que não seja da minha área profissional. Estou bem melhor”, conta.

Mesmo para os dias em que todas essas medidas não dão o resultado esperado, há saídas para recuperar o fôlego no meio do dia, quando o cansaço aparece. O médico espanhol Eduard Estivill, do Centro de Desordens do Sono do Hospital Geral da Catalunha, na Espanha, ensina uma artimanha para assegurar a eficácia dos cochilos, o equivalente à siesta espanhola, para restaurar o ânimo depois de uma noite maldormida. “Deve-se dormir cerca de 30 minutos, nunca menos, ou então cerca de uma hora e meia”, afirma. Na primeira opção, a pessoa descansa antes de entrar na fase de sono profundo. Na segunda, desperta depois de cumprir todas as etapas do sono, completando um ciclo. “O que não pode é acordar no meio do sono mais profundo, porque isso deixa a pessoa cansada”, ensina.
Muitas empresas estão apostando nessa forma de recarregar as energias. No Brasil, o Laboratório Eli Lilly criou até um espaço de descanso onde se pode cochilar na hora do almoço ou antes de começar o expediente. A sala tem tevê (em volume baixo), revistas, sofás, e comporta vinte pessoas. “Nosso objetivo é aumentar o bem-estar e diminuir a tensão dos funcionários que chegam muito cedo”, explica Zilma Queiroz, assessora de qualidade de vida da empresa. A funcionária Luciana Carvalho, 25 anos, aprova os resultados do cochilo. “Fico meia hora, durmo e volto a trabalhar mais animada e atenta”, diz. Como se vê, está cada vez mais fácil acessar os domínios de Hipnos e seu filho Morpheu, deuses do sono e dos sonhos.

Colaborou Celina Côrtes
Produção: Luciane André; Maquiagem: Tiago dos Santos; Modelo: Lovane Neuland (Agência Mega); Agradecimentos: Lojas Zêlo