02/02/2000 - 10:00
Os problemas na coluna são encarados como um adversário forte no universo da saúde pública. Eles castigam sete em cada dez pessoas acima de 50 anos e são a principal causa de aposentadoria precoce no Brasil. Nessa multidão de sofredores, os brasileiros com hérnia de disco e outros casos com indicação comprovada para cirurgia poderão se livrar do martírio com a videoendoscopia de coluna, uma técnica desenvolvida por pesquisadores americanos e alemães. O procedimento permite a retirada da hérnia de disco com um corte de menos de dois centímetros nas costas do paciente. Os cirurgiões utilizam uma microcâmera para resolver o problema em 40 minutos e o paciente volta para casa no mesmo dia. "O dado mais positivo é a rápida recuperação. A videoendoscopia exige cortes que podem ser tapados com pequenos curativos", explica Luiz Henrique Mattos Pimenta, neurocirurgião do Hospital Santa Rita e organizador do workshop sobre o assunto, em São Paulo, entre os dias 21 e 23 de janeiro.
As cirurgias de hérnia de disco e a de colocação de pequenos cilindros (cages) de titânio na coluna estão entre os casos em que a nova cirurgia mostra eficiência. Apesar de exigir precisão e responsabilidade infinitamente maiores, a nova cirurgia lembra, em sua forma, um jogo de videogame. O eixo da coluna é formado por corpos vertebrais ósseos, separados por discos de cartilagem que funcionam como amortecedores. Atrás dessa estrutura ficam o feixe principal de nervos, conhecido como cauda equina, e pares de raízes nervosas que levam sensibilidade e capacidade de movimento a várias partes do corpo. A hérnia ocorre quando a borda rígida do disco se rompe e permite o vazamento da cartilagem mais rígida do interior. Esse material endurece, formando pontas que pressionam o feixe principal, os pares de raízes ou mesmo as duas partes simultaneamente. Em alguns casos, pedaços desse material se soltam do disco e vão para o tubo que abriga o feixe de nervos, provocando dores insuportáveis.
Precisão
Na cirurgia para a hérnia, um corte de 1,8 cm, em média, é feito nas costas do paciente, a 1,5 cm da linha média das costas, por onde passarão os equipamentos. A câmera e os instrumentos chegam ao ponto da hérnia e o cirurgião, com as imagens na tela, retira a cartilagem que vazou (leia quadro). Quando a resistência do disco está comprometida, colocam-se cages de titânio para substituir a cartilagem. Nestes casos, três ou quatro cortes são feitos na lateral do corpo. Se a meta é atingir corpos vertebrais torácicos, os cortes são abertos no abdômen. Dois cages de titânio devolveram a alegria para a empresária Vera Lucia Marchiaro, 43 anos. "Fiquei sete anos sem pegar peso, fazer movimentos ousados e exercícios. Nasci de novo", comemora Vera, feliz por ter voltado a andar de bicicleta. A ginecologista Lucia Marinaro, 35 anos, também passou por maus momentos por causa de uma hérnia de disco. "Dormia de joelho, com o peito apoiado num sofá. Abandonei o trabalho", conta. A operação trouxe alívio e, dez dias depois, Lucia voltou ao consultório.
Os especialistas concordam que a videoendoscopia trouxe avanços, mas alertam: a maioria dos problemas de coluna pode ser tratado sem cirurgia. "Deve-se usá-la quando o tratamento clínico não oferece resultados", aconselha o ortopedista Eduardo Puertas, da Universidade Federal de São Paulo. "Não se pode criar um surto de cirur-gias, sobretudo nesta área, em que um erro pode levar à tetraplegia", acrescenta José Goldenberg, especialista em doenças da coluna. Seu colega Tarcísio Barros Filho, da Universidade de São Paulo, indica os casos em que ela deve ser adotada. "É solução quando há disfunção nervosa que provoque problema neurológico ou leve ao comprometimento do controle da urina. E também quando o tratamento clínico não apresenta resultados num período de seis a oito semanas." A conclusão é clara: a técnica resolve em muitos casos, mas o verdadeiro milagre é adotar o tratamento correto em cada situação.