A agonia durou três meses e meio. Durante todo esse tempo, o ex-senador Élcio Álvares conseguiu sobreviver como ministro da Defesa mesmo sem dar explicações convincentes para as denúncias de que teria envolvimento com o crime organizado do Espírito Santo, divulgadas em sete reportagens de ISTOÉ. Na tarde da terça-feira 18, o presidente Fernando Henrique finalmente consumou a exoneração do ministro, que estava decidida desde dezembro quando foi forçado a demitir a amiga, sócia e superassessora Solange Antunes.

No script do Planalto, a queda deveria ter ocorrido uma semana antes. Mas dois imprevistos adiaram o desfecho. Primeiro: o ex-ministro Celso Lafer, o preferido do presidente para a Defesa, não aceitou o cargo quando foi sondado pelo secretário nacional dos Direitos Humanos, José Gregori. Embora tenha recomposto suas relações pessoais com FHC, Lafer ainda guarda uma ponta de mágoa por ter passado por um processo de fritura antes de ser demitido do Ministério do Desenvolvimento. Segundo: um apelo do próprio Élcio para que se arranjasse um pretexto político para sua saída. Numa entrevista à revista Época o ainda ministro comprou briga com os colegas da Saúde, José Serra, e da Justiça, José Carlos Dias. Era a senha: Serra chiou e Dias deu o troco em nota oficial. Élcio estava demitido, mas ainda não tinha escapado das acusações que lhe custaram o cargo.

Elo perigoso

Na mesma hora em que o ministro recebia o bilhete azul no Palácio da Alvorada, o delegado Francisco Vicente Badenes Júnior prestava depoimento na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e revelava um novo elo de Élcio com o crime organizado. Seu nome constava das agendas do empresário Toninho Roldi, apreendidas pela polícia em 1995. Acusado de ser um dos chefões da bandidagem capixaba, Roldi está foragido por causa de duas prisões preventivas decretadas pela Justiça. O empresário é acusado de ser o mandante de dois assassinatos cometidos pela máfia do Estado. A papelada de Roldi compromete também outro importante político do Espírito Santo. Nesse verdadeiro dominó capixaba, a pedra da vez é o senador Gerson Camata (PMDB-ES).

ISTOÉ teve acesso a documentos que ligam Camata ao crime organizado no Estado. Um deles é um livro-caixa de Roldi. Em seus apontamentos, sob a rubrica Camata, há vários registros de financiamento para campanhas de candidatos a prefeito ligados ao senador. Entre eles Rogério Camata, irmão de Gerson, que em 1988 recebeu dinheiro de Roldi para concorrer ao cargo de vereador em Rio Bananal. "A CPI do Narcotráfico veio me perguntar sobre o Toninho Roldi. Eu o considero um homem de bem, mas se queriam maiores informações sobre ele, deveriam ter procurado o senador Camata. O Toninho é da cozinha do senador", declarou o presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo, deputado José Carlos Gratz (PFL), num programa de televisão em Vitória transmitido há duas semanas. Indiciado por quatro crimes pela CPI do Narcotráfico, Gratz sabe do que está falando. Em julho do ano passado, numa entrevista à revista Vida Vitória, Rita Gratz, mulher do deputado, conta como ele entrou na política. "Em 1986, o senador Camata queria que o Zé Carlos saísse candidato a deputado estadual e Rita Camata a federal. Mas ele não quis. Naquela mesma campanha, Zé Carlos foi procurado para dar uma ajuda financeira a alguns candidatos, um deles a governador. Tem candidato que quando eleito persegue quem o ajudou. Esse foi eleito e começou a perseguir o jogo do bicho, o jogo em geral, dizendo que era tudo ilegal", contou a senhora Gratz, insinuando que o jogo do bicho financiou a campanha a governador do atual deputado federal Max Mauro (PTB).

Max foi candidato depois de derrotar na convenção do PMDB, em maio de 1986, o hoje governador José Ignácio Ferreira, que era apoiado por Camata. Um mês antes da con-venção, o banqueiro de bicho carioca Aílton Guimarães, o Capitão Guimarães, concedeu uma entrevista coletiva em um hotel de Vitória, em que confirmou que era o novo comandante da contravenção no Espírito Santo. Egresso dos porões da ditadura, Guimarães passou a dar as cartas no jogo do bicho capixaba juntamente com Gratz depois do assassinato de Jonathas Bulamarquis, um antigo bicheiro no Estado. Também juntos, Capitão Guimarães e Gratz foram processados como mandantes do crime. Na mesma entrevista, ele anunciou a intenção dos banqueiros do bicho de apoiarem José Ignácio caso ele vencesse a convenção do PMDB. "É uma forma de recompensar o tratamento sábio que o governador Camata vem dispensando ao jogo do bicho", justificou o capitão Guimarães. Como José Ignácio foi derrotado, os bicheiros, na versão de Gratz, acabaram despejando dinheiro na campanha de Max Mauro. "É mentira. Eles me assediaram, mas eu não quis receber o dinheiro sujo deles", defende-se Max Mauro que, quando assumiu o governo, reprimiu o jogo do bicho no Espírito Santo.

Bicho e política

Essa não é única ligação entre o senador Camata e o Capitão Guimarães. ISTOÉ também teve acesso a uma investigação sigilosa da PM-2, o serviço secreto da Polícia Militar do Espírito Santo, sobre as atividades criminosas de José Carlos Gratz. Os resultados estão no dossiê número 2.630, redigido em agosto de 1989. Na página 7 do calhamaço, os arapongas capixabas apresentam uma relação de dez integrantes da cúpula do crime organizado no Estado que teriam sido identificados em investigação conduzida pelo então superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, delegado Oscar Camargo Costa Filho. Ao lado de nomes que já estão sendo investigados pela CPI do Narcotráfico – o próprio Gratz, o desembargador Geraldo Correia Lima (ex-sócio de Élcio Álvares), o deputado estadual Gilson Gomes (PPS) e o delegado Cláudio Guerra – aparecem na lista os nomes do capitão Guimarães e de Gerson Camata.

No depoimento à Comissão dos Direitos Humanos, o delegado Francisco Badenes disse também que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Velloso, tinha convivência social com pessoas ligadas ao crime organizado capixaba. "Temos fotografia dele abraçado com essa turma, publicada pela revista Vida Vitória", acrescentou. Coordenador dos trabalhos da CPI do Narcotráfico no Espírito Santo, o deputado Fernando Ferro (PT-PE) confirmou a informação. "Isto é uma canalhice. Representa uma tentativa de intimidação a um juiz. Jamais conseguirão os canalhas intimidar-me. Paguem para ver. A honra não se compra em mercado", reagiu o ministro Velloso, que recebeu um telefonema de solidariedade do presidente Fernando Henrique e o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O ministro resolveu processar o delegado e o deputado. ISTOÉ reproduz nesta edição uma foto, publicada numa coluna social do jornal A Gazeta, em que Gratz aparece abraçando o desembargador José Eduardo Grandi Ribeiro – citado no relatório da Procuradoria Geral da República sobre o crime organizado e o Poder Judiciário capixaba – sob o olhar de Carlos Velloso.

Opção técnica

Por ter considerado os pedidos de quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico de cinco suspeitos de ligações com o crime organizado capixaba, sem fundamentação adequada, Velloso suspendeu a decisão da CPI do Narcotráfico. Com isso, a devassa nas contas dos irmãos e sócios Solange Antunes e Dório Antunes, dos deputados Gilson Lopes (PFL) e Gilson Gomes – ambos filiados a Scuderie Le Cocq, sucedânea do esquadrão da morte e acusada de ser o braço armado do crime organizado no Estado – e de Sheila Gratz, sobrinha e assessora do presidente da Assembléia Legislativa foi adiada. Com um salário de R$ 2 mil por mês, Sheila é suspeita de ser "laranja" do tio e suas contas recebem vultosos depósitos, segundo levantamento feito com ordem judicial pela Procuradoria da República. "Usei critérios técnicos para conceder as liminares", explica o presidente do Supremo Tribunal Federal.

José Carlos Gratz adora alardear sua suposta amizade com o ministro Carlos Velloso. Em janeiro do ano passado, a revista Vida Vitória, que tem como principal anunciante a Assembléia Legislativa e costuma dar recados de Gratz e sua turma, publicou uma nota curiosa. Sob o sugestivo título de "Recado", a revista conta que Gratz esteve em Brasília para participar da comemoração do aniversário do ministro, "com quem mantém estreitos laços de amizade".

Broche de ouro

Na nota, Gratz diz que o Espírito Santo tem a sorte de haver sido adotado pelo ministro que vai dar uma enorme contribuição para aperfeiçoar o Judiciário do País. "Conhecimento jurídico, determinação e coragem é o que não lhe faltam", elogia. Seis meses depois, Carlos Velloso foi a Vitória participar do 14º aniversário da revista e, assim como o governador José Ignácio e Rita Gratz, recebeu um broche de ouro cria-do pela designer Carla Amorim. Em sua primeira edição em setembro, a Vida Vitória agradece o apoio do casal Gratz que "garantiu o sucesso da grande noite".

Mas isso não é prova de envolvimento do ministro Velloso com o comando do crime organizado capixaba. Situação muito diferente da enfrentada por Solange Antunes. Além de estar sendo investigada pela CPI do Narcotráfico, ela terá de se explicar em outros inquéritos. A Procuradoria da República no Distrito Federal já dispõe de provas suficientes para processá-la por improbidade administrativa e crime fiscal.

Declaração falsa

Na declaração de renda ano-base 1997, que apresentou ao Ministério da Defesa, Solange omitiu pelo menos duas fontes de renda – os salários que recebeu do Senado Federal e da Prefeitura de Serra. Ela declarou apenas ter recebido R$ 142,5 mil como advogada. Solange, que havia omitido o emprego no Senado na declaração que apresentou quando assumiu o cargo de advogada da prefeitura, voltou a mentir cinco anos depois. Num documento entregue à Secretaria de Controle Interno do Senado, em junho de 1997, ela negou que fosse servidora de outro órgão público e assegurou ter declarado ao Fisco todas as suas fontes de renda. "Além dos processos, ela vai ter que devolver aos cofres públicos o que recebeu indevidamente", afirma o procurador Brasilino Pereira dos Santos. Solange está em Vitória onde aguarda a volta de Élcio para retomarem a parceria no escritório de advocacia, que agora também está sob a mira da CPI. Élcio transmite o cargo nesta segunda-feira 24 ao advogado Geraldo Magela Quintão, que terá como missão apaziguar os militares. Numa decisão surpreendente de FHC, foi deslocado da Advocacia-Geral da União para o Ministério da Defesa. O próprio Quintão, que não serviu às Forças Armadas por estar, na ocasião, estudando num colégio interno, se espantou com a decisão. Chamado pelo presidente, o então advogado-geral entrou no gabinete carregando processos pendentes para o que imaginava ser um despacho de rotina. Saiu ministro.

A defesa dos Camata

GERSON CAMATA:
1) Livro-caixa: "Conheço o Toninho Roldi há muitos anos, mas nunca tive essa intimidade toda que o Gratz está dizendo. Nessa lista aí, a maioria dos nomes é mesmo de candidatos que tiveram meu apoio, mas eu não pedi dinheiro para nenhum deles, nem para meu irmão. Se eles de fato receberam o dinheiro, é problema deles. Eu nunca pedi nada ao Toninho Roldi."

2) Jogo do bicho: "Eu nunca recebi dinheiro do jogo do bicho e não conheço o Capitão Guimarães. No meu governo, o secretário de Segurança Dirceu Cardoso quis fechar o jogo do bicho. Desistimos porque os bicheiros avisaram que, se isso ocorresse, colocariam as 15 mil pessoas que ficariam desempregadas na porta do Palácio Anchieta."

3) Crime organizado: "Todas as acusações contra mim têm o dedo do Max Mauro. O delegado Oscar Camargo é homem dele e tentou me envolver de todo jeito com a morte da jornalista Maria Nilse, que era minha amiga. Quem recebeu dinheiro do bicho foi ele na sua campanha para governador. Nunca tive ligações com o crime organizado. Essa Operação Marselha nunca existiu. É armação do Max Mauro. O Badenes também é ligado a ele."

RITA CAMATA:
Dobradinha com Gratz: "Eu nem sabia quem era Gratz em 1986 e não precisava fazer dobradinha com ninguém para me eleger. A Rita Gratz confundiu as coisas. Isso tudo é uma lama, não sei fazer política assim."