04/04/2007 - 10:00
SONHO ADIADO Renata quer ter o segundo filho, mas teme perder novamente o seu emprego
É difícil encontrar uma mãe que considere ideal os quatro meses de licença-maternidade concedidos no Brasil. A decisão de deixar o bebê muito novo em casa para voltar ao trabalho vem sempre acompanhada de angústia e de medo.
Mas um projeto de lei de autoria da senadora Patrícia Saboya (PSB-CE), a ser votado nas próximas semanas, poderá ampliar o prazo para seis meses. Pela proposta, os empresários privados não serão obrigados a conceder os meses adicionais – eles poderão fazer acordo com a funcionária –, mas o benefício estará garantido a todas as servidoras públicas. A empresa privada que aderir à nova licença poderá deduzir no Imposto de Renda o dinheiro gasto com salários e obrigações trabalhistas nos 60 dias a mais. O governo do Amapá e 37 municípios do País já adotaram a medida.
O projeto teve a contribuição da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), que comprovou os males que afetam as crianças sem contato integral com a mãe nos primeiros seis meses de vida. Ele conta com o aval do Ministério da Saúde e o apoio de empresários importantes, entre eles Carlos Faccina, da Nestlé, e Michel Haradom, presidente da indústria de defensivos agrícolas Fersol. Mesmo assim, ele causa apreensão em muitas mulheres. O motivo é simples: elas temem que empresários privados, para não ficar um longo tempo sem os seus funcionários, diminuam ainda mais o já restrito espaço das mulheres. Há poucas estatísticas oficiais relacionando demissões ou desistência de contratações à gravidez, já que essa justificativa raramente aparece nos processos e queixas. Mas técnicos do Ministério do Trabalho, especialistas e advogados ouvidos por ISTOÉ admitem que a gravidez é o motivo oculto de grande parte das demissões de mulheres nas semanas ou meses seguintes ao retorno ao trabalho após a licença-maternidade.
GARANTIA DE SAÚDE Para amamentar, a mãe precisa de contato integral com o bebê nos primeiros 180 dias de vida
Alguns estudos radiografaram esse risco. Um deles, realizado pelo Instituto de Saúde de São Paulo em 13 indústrias, mostrou que pelo menos uma em cada dez mulheres que perdem o emprego é dispensada neste período. Outra pesquisa, realizada apenas entre as trabalhadoras que se queixaram no ano passado ao sindicato paulista dos comerciários, mostrou que, só na cidade de São Paulo, os patrões usaram a gravidez como motivo de dispensa de 59 mulheres. Destas, 53 foram reintegradas após denúncia e seis entraram com ações judiciais.
São situações semelhantes à vivida pela advogada paulistana Renata Garcia, 29 anos. Ela foi demitida do departamento jurídico de uma empresa assim que retornou da licença-maternidade tirada para cuidar de seu primeiro filho. Ela quer partir para o segundo, mas o medo de perder o novo emprego adia os planos. “Todos sabemos que está difícil arrumar trabalho. Temo que, com os seis meses, muitas empresas passem a contratar homens para vagas que poderiam ser destinadas às mulheres.” Apesar da não obrigatoriedade de adesão e das deduções fiscais, o advogado trabalhista Roberto Parahyba tem a mesma preocupação. “O projeto representa um avanço, mas, infelizmente, poderá gerar esses efeitos negativos.
VIDA DURA Alessandra teve
que pedir demissão para cuidar
de Lucas. Está sem trabalho há
um ano
Muitas vezes, a única saída para conviver com o filho recém-nascido é pedir demissão. Foi o caso da baiana Fabiana Borges, 26 anos, mãe de Luis Antônio. Caixa de uma loja de autopeças em Feira de Santana (BA), ela pediu ao chefe férias atrasadas para ficar em casa por mais um mês. Ele não aceitou. “Tive que largar o emprego”, conta ela, ainda desempregada. A paulistana Alessandra Fuzinaka passou pelo mesmo problema. Preocupada porque o filho Lucas não pegava a mamadeira nem comia, ela desistiu do trabalho de secretária, no ano passado, para amamentá-lo. Ainda sem trabalho, teve que se adaptar ao orçamento apertado. “Está duro, mas não poderia ver o meu filho sofrer”, diz ela. O debate em busca da melhor solução está aberto. E, pelo visto, será essencial.