19/01/2000 - 10:00
Na noite da terça-feira 11, o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou ao Palácio da Alvorada o vice-presidente, Marco Maciel, e o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), para uma conversa sobre a demissão do ministro da Defesa, Élcio Álvares. Amigo de Élcio, Maciel ainda tentou esboçar uma defesa da permanência do ministro no governo. FHC interrompeu seu vice e comunicou que a saída de Élcio já estava resolvida. Ela foi acertada no final do ano passado com os comandantes das Forças Armadas, entre eles o general Gleuber Vieira e o almirante Sérgio Chagas Telles, que trataram de acalmar os quartéis para assegurar uma troca ministe-rial tranquila, sem colocar em risco a prevalência democrática do poder civil. Ao não conseguir responder às acusações divulgadas por ISTOÉ de que tem ligações com o crime organizado no Espírito Santo, Élcio perdeu todas as condições de continuar no comando de um setor sensível como o militar. Mesmo na área política, onde sempre transitou bem, foi completamente abandonado. Até o PFL tirou o corpo fora. “Como o ministro não é mais filiado ao partido, não temos o que falar sobre o assunto”, sentenciou o líder do PFL na Câmara, deputado Inocêncio Oliveira (PE). “Ele está com os dias contados no Ministério”, reforçou Bornhausen ao relatar a correligionários a conversa com o presidente. Ministros ligados ao presidente Fernando Henrique apostam que Élcio deixa o governo até o final do mês.
Na mesma noite em que conversou com Maciel e Bornhausen, Fernando Henrique deixou claro ao alto tucanato que Élcio Álvares sairá mesmo do Ministério da Defesa. A interlocutores, o presidente tem dito que continua não acreditando que o ministro tenha de fato ligações com o narcotráfico, mas não conseguiu se defender das acusações e perdeu as condições políticas de permanecer no governo. Essa também é a avaliação de outro padrinho político de Élcio em Brasília. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) escolheu Élcio para ser seu vice-líder quando era líder do governo Itamar Franco e depois bancou sua indicação para o Ministério da Indústria e Comércio. “É inacreditável que o Élcio não tenha um amigo que lhe diga que passou a hora de pedir o boné. Ele não tem mais como permanecer no Ministério”, disse Simon, na última terça-feira, durante almoço com dirigentes do PMDB na residência oficial do presidente da Câmara, deputado Michel Temer (SP). A cúpula do partido concordou com o senador.
Fritura – O próprio Fernando Henrique atiçou o fogaréu da fritura do ministro da Defesa. “Ministro meu, enquanto eu não disser que não é, é ministro”, disse o presidente durante visita à feira Couromoda em São Paulo, numa declaração óbvia que Élcio tentou capitalizar como uma garantia de sua permanência no governo. Não era. Como também não foi o que FHC lhe disse no dia seguinte no Palácio da Alvorada. Diante de um ministro tenso, o presidente assegurou apenas que ele não estava demitido, sem dar nenhuma garantia de que continuará no governo. Foi o suficiente para Élcio ir ao prédio na Esplanada dos Ministérios, onde funciona o comando da Marinha, posar para fotógrafos e cinegrafistas como chefe das Forças Armadas. Esse não foi o único faz-de-conta do ministro da Defesa ao longo da última semana.
ISTOÉ revelou na edição passada que na segunda-feira 3 o advogado Dório Antunes – sócio da irmã e ex-superassessora da Defesa Solange Antunes e de Élcio Álvares – telefonou para o chefe da Procuradoria Geral da República no Espírito Santo, Ronaldo de Meira Vasconcelos Albo, e contou uma trama para assassinar o delegado Francisco Vicente Badenes Júnior, autor de organogramas que ligam o ministro da Defesa ao crime organizado capixaba. Além de dizer que sabia e se negava a dizer quem era o pistoleiro contratado por R$ 60 mil para matar Badenes, Dório disse que estava ligando do gabinete do ministro da Defesa. A procedência da ligação foi confirmada por um bina, aparelho que identifica a origem das chamadas. Com tudo isso, Élcio passou a semana, sob os holofotes da imprensa, sem dizer uma palavra sobre essa denúncia. Também continuou sem informar os nomes do pistoleiro contratado e do mandante da morte de Badenes ao Ministério da Justiça, que poderia tomar providências para evitar um atentado contra o delegado. Apesar dessa omissão, o Ministério Público capixaba soube por outros informantes que, mais uma vez, o assassinato foi encomendado ao ex-tenente Paulo Jorge dos Santos. Trata-se de um pistoleiro e traficante de drogas que está foragido desde que foi acusado na Justiça de ter participado da chacina em que morreu João Luiz da Silva, apanhado na rede da “Operação Marselha” da Polícia Federal e ex-cliente de Dório Antunes. O presidente da Assembléia Legislativa, deputado José Carlos Gratz (PFL), foi indiciado pela CPI do Narcotráfico por ter contratado Paulo Jorge para assassinar João Luiz.
Sigilo – Acusado em inquérito poli-cial de coagir testemunhas para tentar inocentar o ex-tenente, Dório Antunes contou, em entrevista publicada na última semana pela revista Vida Brasil, que tem uma conta bancária conjunta com a irmã e sócia Solange. Ele acrescentou que a conta foi aberta com um depósito de R$ 50 mil para bancar as despesas do dia-a-dia do escritório de Élcio Álvares em Vitória. Não revelou a procedência do dinheiro. Nem precisava. Quebrados pela CPI do Narcotráfico, os sigilos bancários de Dório e de sua irmã foram mantidos em decisão tomada em dezembro pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Veloso. Na quarta-feira 12, o ministro Veloso suspendeu também a quebra dos sigilos telefônico, fiscal e bancário dos deputados Gilson Lopes (PFL) e Gilson Gomes (PPS) – ambos filiados a Scuderie Le Cocq, sucedânea do Esquadrão da Morte e acusada de ser o braço armado do crime organizado capixaba – e de Sheila Gratz, sobrinha do presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo. Com um salário de R$ 2 mil por mês, Sheila é suspeita de ser “laranja” do tio e suas contas recebem vultosos depósitos segundo levantamento feito pela Procuradoria da República. Quem também se beneficiou de uma ordem judicial para não ter suas contas devassadas foi Toninho Holdi, empresário e caixa de campanhas eleitorais apontado como um dos cabeças do crime organizado no Espírito Santo. Mesmo estando foragido por ter prisão decretada como um dos mandantes de crimes atribuídos à máfia capixaba, no apagar das luzes do ano passado Holdi conseguiu no Superior Tribunal de Justiça livrar-se de uma devassa da CPI no Narcotráfico. Considerado um dos elos financeiros da bandidagem no Espírito Santo, a CPI aposta alto que em suas contas vai desvendar a rede criminosa no Estado. “Assim, não dá. O poder Judiciário não pode impedir que a CPI comprove como funciona o crime organizado”, protestou o deputado Fernando Ferro (PT-PE), coordenador das investigações da comissão no Espírito Santo. Em fevereiro, quando volta a funcionar, a CPI vai insistir na quebra dos sigilos. Seus integrantes sabem que só assim chegarão aos tubarões do crime organizado.