09/06/1999 - 10:00
Aqui vão alguns números para acordar um gigante adormecido: o Brasil investe a mísera quantia de R$ 565 anuais por aluno matriculado da primeira à oitava séries do primeiro grau nas escolas públicas. No total, o dinheiro aplicado em educação não supera a marca de 4,8% do PIB (gastos oficiais). Se a matéria é ciência e tecnologia, o investimento é mais mirrado. Desembolsamos só 1,2% do PIB para colocar em prática nossas idéias. É muito pouco, principalmente para um país em que quase tudo ainda está por ser feito – o mundo industrializado (Europa e Estados Unidos) despeja algo em torno de 3% de seu PIB em pesquisa tecnológica. Não é preciso ser um gênio da matemática para concluir que estamos distantes anos-luz do século XXI, embora a folhinha do calendário diga o inverso. Ao participar do projeto Brasileiro do Século, o leitor de ISTOÉ, que já exerceu o direito de votar em Ayrton Senna (categoria Esportista), Chico Buarque (Músico), Fernanda Montenegro (Artista Cênica), Machado de Assis (Escritor) e Oscar Niemeyer (Arquiteto), tem agora a oportunidade de prestar uma justa homenagem aos que se destacaram em Ciência, Tecnologia e Educação no século XX. São verdadeiros heróis, que inscreveram seu nome e o de seu país na história.
A lista dos indicados ao prêmio, elaborada por um júri de notáveis especialmente para o projeto Brasileiro do Século, é encabeçada por Carlos Chagas, médico sanitarista responsável pela descoberta do Trypanosoma cruzi, transmissor do mal de Chagas, doença endêmica que afeta fartas porções do País. A seguir, vem César Lattes, físico que desvendou os mistérios das partículas do átomo. A relação inclui Paulo Freire e Darcy Ribeiro (este concorre pela segunda vez, já que foi um dos eleitos em Literatura), homens fundamentais que pensaram o bê-á-bá da Nação, ou seja, o ensino básico, alicerce sem o qual o resto desaba. O cardiologista e ex-ministro Adib Jatene faz companhia a Santos Dumont, inventor do avião, na eclética lista dos escolhidos. O júri citou 401 nomes, recorde absoluto. Em outras categorias, o número de personalidades indicadas era de cerca de 250. Aziz Ab’Saber, último a ganhar uma vaga entre os 30 concorrentes, teve só quatro votos (esse patamar era de sete a oito). Agora, caberá ao leitor de ISTOÉ indicar aqueles que, no final de julho, terão suas biografias publicadas em fascículo especial encartado na revista.
Um fato salta à vista: não há nenhuma mulher entre os indicados ao prêmio. Machismo? Só dois jurados lembraram do sexo feminino. O agrônomo Eduardo Bulisani citou a bióloga Vitória Veridiana Rosseti.
Já Adriana Moreira, presidente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, entidade não-governamental, votou em seis mulheres. Uma delas é a botânica Graziela Barroso, hoje com 85 anos, que emprestou seu nome a 25 espécies vegetais como prova de seu pioneirismo. "A ciência exige dedicação integral e talvez, pelo fato de se dividir entre ser profissional e ser mãe, a mulher tenha dificuldades de avançar a carreira", avalia o presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência, José Luiz Goldfarb, um dos nossos jurados. O geneticista Crodowaldo Pavan, um dos concorrentes a Cientista do Século, admite que a tradição machista imperou até os anos 80. Os intelectuais hoje consagrados se formaram há duas ou três décadas, portanto, numa época em que a mulher só entrava no laboratório para limpar o pó. "Mas essa mentalidade mudou e vai se refletir em breve. O século XXI será das mulheres", promete Pavan, otimista. O genetecista escreveu, inclusive, artigos louvando a "superioridade biológica" do sexo frágil. "Algumas amigas concluíram que eu estava bancando o galanteador e outras me acusaram de ironia. Conclusão: nem elas acreditam em seu potencial."
Guerra de sexos à parte, é consenso que o Brasil precisa valorizar mais seus neurônios. "Cabe ao Estado a função prioritária de investir na ciência básica. Às empresas cabe investir em pesquisa tecnológica", afirma o ministro da Ciência e Tecnologia, Bresser Pereira. O governo alega que, de 1990 para cá, a aplicação em pesquisa pulou de 0,99% para 1,2% do PIB, aumento de 49% nos investimentos. Mas o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Sérgio Ferreira, outro concorrente ao prêmio – transformou o veneno da jararaca em remédio contra a hipertensão – desconfia que o salto é fruto de uma "maquiagem" do método de calcular o percentual. "Enfiaram na conta parte do salário do professor universitário e até pesquisa feita por multinacional no país de origem."
A comunidade científica pede incentivos a pequenas e médias empresas encarregadas de se transformar em incubadoras de novas idéias. "Mas com juros de 32% ao ano não vai dar certo", reclama Ferreira. O pior é assistir ao êxodo de nossa inteligência. "Basta uma companhia americana oferecer US$ 5 mil mensais para levar de barbada nossos gênios da física. Eles não ganham metade disso nos institutos do governo", diz Waldez Ludwig, consultor que virou guru dos empresários nacionais. "A margem de lucro é tanto maior quanto mais conhecimento o processo econômico envolver. É a era do conhecimento que bate à porta e quem não compreender isto estará fora do século XXI", conclui Ludwig. Homenagear os heróis que ousaram ser cientistas e educadores no Brasil no século XX é um modo de começar a mudar essa realidade.
E O VENCEDOR SERÁ…
Uma lista sem grandes favoritos
Carlos Chagas (1879-1934) ingressou no Instituto Fisioterápico (atualmente Instituto Osvaldo Cruz) como voluntário, em 1902. Um ano mais tarde, concluiu os estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e logo em seguida devotou-se às pesquisas para erradicação da malária. Em 1929, descobriu um parasita popularmente conhecido como "barbeiro", batizado de Trypanosoma cruzi, transmissor da doença de Chagas, endêmica de algumas regiões do País. Nasceu em Oliveira (MG). 23 votos
César Lattes (1924) consagrou-se como um dos mais importantes cientistas e alcançou renome internacional aos 23 anos, ao comprovar a existência da partícula atômica "méson pi". Nascido em Curitiba (PR), realizou também estudos nos campos da termodinâmica e elementos radioativos. 21 votos
Osvaldo Cruz (1872-1917) foi médico e sanitarista e dedicou-se à preparação de vacinas para combater a peste bubônica nas cidades paulistas. Natural de São Luís do Paraitinga (SP), em 1903 foi nomeado diretor-geral da saúde pública com a tarefa de eliminar a febre amarela do Rio. É reconhecido como o erradicador da malária, da febre amarela e da peste bubônica. Em 1916, foi eleito prefeito de Petrópolis. 19 votos
Mário Schenberg (1914-1990) foi o descobridor do "efeito Urca", processo pelo qual se explicam as transformações energéticas das estrelas postulando a emissão de neutrinos (partículas sem massa e sem carga, mas com valor de energia). Nasceu no Recife (PE). 13 votos
Vital Brasil (1865-1950) combateu a febre amarela em São Paulo (1892) e o cólera no Vale do Paraíba (1897). Em Botucatu (SP), passou a ser reconhecido por sua habilidade em lidar com as serpentes para extrair-lhes o veneno. Natural de Campanha (MG), em 1898, trabalhou no preparo dos primeiros soros de eficiência comprovada contra o veneno de cobras, dando origem, um ano mais tarde, ao Instituto Soroterápico, por ele chefiado. Era o começo do Instituto Butantã, internacionalmente reconhecido. 11 votos
José Leite Lopes (1918) comprovou a existência da partícula atômica bóson neutro, em 1958, conquistando o prêmio nacional Álvaro Alberto, em 1989. Nascido no Recife (PE), é autor de livros adotados internacionalmente. (11 votos)
Adolfo Lutz (1855-1940), médico que frequentou as Universidades de Viena, Praga, Paris e Londres para estudar a lepra. Carioca, foi o pioneiro na descoberta de doenças endêmicas e epidêmicas como o cólera, febre amarela, febre tifóide e malária. 10 votos
Maurício Rocha e Silva (1910-1983) foi o farmacologista que descobriu a substância bradicinina, demonstrando que o veneno das cobras pode atuar sobre a globulina plasmática, causando a queda da pressão arterial e lenta contração da musculatura intestinal. Nasceu no Rio de Janeiro. 10 votos
Euríclides de Jesus Zerbini (1912-1993) diplomou-se pela faculdade de Medicina de São Paulo, em 1935. Alguns anos mais tarde tornou-se diretor do Pronto-Socorro do Hospital das Clínicas e cirurgião do Instituto de Cardiologia em São Paulo. Natural de Guaratinguetá (SP), foi o primeiro médico na América Latina a aplicar a técnica de transplante de coração, em 1968. Interrompeu as cirurgias devido à morte de vários pacientes. 9 votos
Otto Richard Gottlieb (1920) é químico industrial e pesquisador da Fiocruz (RJ). Nascido no Rio de Janeiro, alfabetizou-se na Europa e retornou ao Brasil aos 19 anos. É o criador da quimiossistemática, disciplina que estuda os elementos químicos das plantas com objetivo de mapear sua evolução. 9 votos
Paulo Freire (1921-1997) foi um educador que conquistou reconhecimento mundial por suas propostas para a educação. Pôs em prática um método de ensino arrojado e publicou centenas de livros pedagógicos. Nasceu no Recife (PE). 8 votos
Sérgio Henrique Ferreira (1934), médico com trabalho reconhecido internacionalmente por sua contribuição na pesquisa de analgésicos e antiinflamatórios, além de experimentos pioneiros na ação de drogas como a aspirina. É paulistano e presidente da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC). 8 votos
Leopoldo Nachbin (1922-1993), matemático natural do Recife (PE) que desenvolveu vários estudos na área de análise matemática. 8 votos
Crodowaldo Pavan (1929) quebrou um dogma da genética dos anos 50, devota de que as células de qualquer organismo tivessem a mesma quantidade de DNA. Estudando os cromossomos do inseto Rhynchosoiara, revelou que os organismos apresentam diferentes quantidades de DNA. Nasceu em Campinas (SP). 8 votos
Maurício Matos Peixoto (1921) realizou importantes contribuições com pesquisas em sistemas dinâmicos e geometria de números. Nasceu em Fortaleza (CE) e é presidente da Academia Brasileira de Ciências. 8 votos
Oscar Sala (1922) foi o idealizador e organizador de laboratórios experimentais de física nuclear no Brasil. 7 votos
Alberto Santos Dumont (1873-1932), aeronauta e inventor, foi batizado como Pai da Aviação ao projetar o avião 14-Bis, realizando o primeiro vôo mecânico do mundo. Nasceu em Cabangu (MG). 7 votos
Emílio Ribas (1862-1925) foi médico sanitarista e combateu a febre amarela em São Paulo. Natural de Pindamonhangaba (SP), a partir de 1899, dedicou-se à luta contra a peste bubônica em Santos. 6 votos
Marcelo Damy de Souza Santos (1914) foi o precursor da física nuclear no Brasil e o construtor do primeiro acelerador de partículas. Nasceu em São Paulo. 6 votos
Darcy Ribeiro (1922-1997), antropólogo, escritor e educador nascido em Montes Claros (MG), foi o mentor da Universidade de Brasília (UnB) e ministro da Educação (1961). 6 votos
Henrique Rocha Lima (1879-1956) foi médico pesquisador da origem de vários surtos epidêmicos, como o tifo. Carioca, foi também diretor do Instituto Biológico (SP). 6 votos
Warwick Kerr (1922), estudioso da genética das abelhas, nasceu em Santana de Parnaíba (SP). Doutorou-se em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura da USP e dirigiu o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1975-1979). 6 votos
Adib Jatene (1929) é médico e diretor-geral do Instituto do Coração (Incor). Foi ministro da Saúde em 1992. Nasceu em Xapuri (CE). 5 votos
Paulo Emílio Vanzolini (1923) é conhecido internacionalmente como especialista em répteis. Zoólogo paulistano, atua no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP). 5 votos
Djalma Guimarães, engenheiro de minas e geólogo, realizou importantes contribuições para a petrografia (estudo das rochas). 4 votos
Sérgio Porto (1926-1979) pesquisou o laser durante muitos anos, criando na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) o departamento de Eletrônica Quântica. Carioca, durante os últimos anos de sua vida, concentrou-se na aplicação de lasers na medicina. 4 votos
Milton Santos (1926) é doutor em Geografia e professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Baiano, escreveu mais de 40 livros e recebeu 14 títulos doutor honoris causa de diversas universidades do Brasil e do Exterior. 4 votos
Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982) desempenhou funções de grande importância nas instituições culturais brasileiras e atuou em universidades e museus do Brasil e do Exterior. Nascido em São Paulo, escreveu o antropológico Raízes do Brasil (1936). 4 votos
André Drayfus (1898-1952), natural de Pelotas (RS), foi precursor da pesquisa genética no Brasil e dirigiu as primeiras pesquisas nas áreas animal, vegetal e de microorganismos, em 1942. 4 votos
Aziz Nacib Ab’Sáber (1924) projetou-se internacionalmente por seus conhecimentos em ecogeologia, transformando-se no maior conhecedor de problemas ambientais brasileiros, especialmente da Amazônia. É geomorfologista natural de São Luís do Paraitinga (SP). 3 votos
JÚRI CABEÇA
Cérebros privilegiados indicaram os candidatos
Cláudio Rodrigues Superintendente do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (SP)
José Luiz Goldfarb Presidente da Sociedade Brasileira de História da Ciência
Colombo Tassinari Professor do Departamento de Mineralogia do Instituto de Geociências da USP
Fernando Nogueira de Lima Engenheiro elétrico e reitor da Universidade Federal de Mato Grosso
Alberto Pereira de Castro Presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
Vanderlei S. Bagnato Professor do Instituto de Física de São Carlos (USP)
Sérgio Pena Professor do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais
David Oren Chefe do Departamento de Zoologia do Museu Emílio Goeldi (PA)
Vicente Amato Neto Professor-emérito da Faculdade de Medicina da USP e epidemiologista
Paulo Jorge Sarkis Reitor da Universidade Federal de Santa Maria (RS)
Roberto Cláudio Frota Bezerra Reitor da Universidade Federal do Ceará
Luiz Roberto Tommasi Diretor-presidente da Fundação de Estudos e Pesquisas Ambientais (Fundespa) (SP)
Francisco César Barreto Reitor da Universidade Federal de Minas Gerais
Sérgio Simons Médico-coordenador do setor de oncologia do Hospital Albert Einstein (SP)
Ivan Endreffy Presidente da Associação Brasileira de Gemologia e Mineralogia (SP)
Adriana Moreira Presidente da ONG Instituto de Pesquisa Ambiental na Amazônia (Ipam) (PA)
Marco Segre Titular e chefe do Departamento de Medicina Legal e Ética Médica da USP
Reinaldo Carvalho Astrônomo do Museu Nacional (RJ)
Alberto Santoro Membro do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (RJ)
Eduardo Antonio Bulisani Diretor-geral do Instituto Agronômico de Campinas (SP)
Nicolau Sevcenko Professor de História da Cultura do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da USP
Lynaldo C. de Albuquerque Secretário-executivo da Associação Brasileira dos Institutos de Pesquisa Tecnológica
Alexander Wilhelm Kellner Chefe do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Niéde Guidon Arqueóloga da Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham) do Piauí
Isaias Raw Químico do Instituto Butantã (SP)
Everton Carvalho Presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben)
Mário Rigatto Médico pneumologista (RS)
Fernando Jalembeck Vice-reitor da Universidade Estadual de Campinas (SP)
Hermann G. Schatzmayr Chefe do Departamento de Virologia do Instituto Osvaldo Cruz/ Fiocruz (RJ)
José Camargo Pioneiro no transplante de pulmão na América Latina e professor da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre