Em 1996, o arquiteto Luiz Paulo Conde deixou os assessores de cabelo em pé ao defender o aborto, a união civil de homossexuais e a distribuição de seringas para viciados em drogas. Tinha 62 anos e estreava nas urnas como ilustre desconhecido tirado da cartola do então prefeito Cesar Maia como candidato do PFL à sua sucessão. Longe de provocar a tragédia temida pela assessoria, a franqueza conquistou votos de esquerda para derrotar o jovem deputado Sérgio Cabral Filho, então no PSDB. É verdade que, à época, dizia-se que Cesar Maia, de tão popular, elegeria até um poste. O poste foi eleito, ganhou vida própria e se tornou o maior obstáculo à eleição de seu criador, obrigado a se refugiar no PTB. A mais recente pesquisa Brasmarket, tabulada no dia 9, depois de ouvir 610 eleitores, mostra que o prefeito já lidera a corrida, com 31,8%, seguido por Cesar, com 27,9%. Os dois ex-amigos jogam poeira em mitos da esquerda carioca. A vice-governadora Benedita da Silva, o nome eleitoralmente mais forte do PT do Rio, tem 13,7%. O desempenho do ex-governador Leonel Brizola (PDT) é ainda mais melancólico: está em quarto lugar, com 10%.

Conde enfrenta campeões de voto apresentando-se como técnico sem muitas preocupações partidárias e ideológicas, ao mesmo tempo que desponta como o mais bem-sucedido articulador da política carioca. Lançou sua campanha num encontro com idosos em Copacabana, levado por ninguém menos do que o presidente da Assembléia Legislativa, Sérgio Cabral. O deputado desistiu de se candidatar pelo PMDB para ser o cabo eleitoral número um do pefelista que o derrotou em 1996.

A aparente despreocupação com as conveniências políticas, exposta no episódio de 1996, foi mantida na receita de sucesso de Conde. Uma de suas diversões é despistar os seguranças para caminhar pelo centro com amigos ou jornalistas. A cada esquina, joga conversa fora como se fosse um mero pagador de impostos. Se gostar do interlocutor, é capaz de trocar a agenda oficial por conversas intermináveis sobre delírios urbanísticos. Quem ouve seus planos nem desconfia que a dívida da prefeitura, de R$ 4 bilhões, interrompeu a obra mais vistosa da campanha que o elegeu: o Rio Cidade, uma reurbanização das vias principais de bairros estratégicos. Conde o implantou em 15 bairros como secretário de Urbanismo de Cesar e prometeu estendê-lo para mais 16. Fez dois. “Um governo se mede pelo que prometeu e fez, pelo que quis fazer e pelo que não pensou em fazer e fez. Fizemos opção pelo social”, justifica.

Esquerda órfã – O perfil de carioca boa praça, que se comporta na poltrona emoldurada por um Portinari no Palácio da Cidade como se estivesse num botequim da Lapa, não parece suficiente para explicar a popularidade. Outra força propulsora é o esfacelamento do PT e do PDT, para o qual contribuiu. O prefeito é o pivô da ameaça de Brizola de expulsar do PDT o governador Anthony Garotinho, acusado de beneficiar Conde com convênios e trocas de elogios. O prefeito se elegeu atraindo eleitores órfãos da esquerda no segundo turno de 1996. Tenta repetir o feito carimbando o antecessor como homem da direita. “Cesar votou no general Newton Cruz, escolheu Wilson Leite Passos (PPB) como líder na Câmara e seu vice é indicado pelo bispo Macedo”, ataca. “Cesar investiu R$ 150 milhões no favela-bairro e eu, R$ 920 milhões. Subi de 5% para 25% o índice de alunos em horário integral”, desfila o prefeito.

“Se a esquerda deixar órfãos, eles vêm comigo. Conde é marcado por compromissos com a especulação imobiliária”, reage Cesar, referindo-se à generosidade do prefeito com a construção civil. Aparentemente longe de suspeitas como as que destruíram o colega Celso Pitta, Conde promoveu a polêmica aprovação da construção de apart-hotéis com unidades minúsculas, de 30 metros quadrados, reduziu o IPTU dos hotéis e se declara favorável a um projeto mais do que impopular: um edifício de 162 apartamentos no terreno do Hotel Copacabana Palace, tombado por determinação do município, do Estado e da União. Poucos o comparam a Pitta. Uma das exceções é o candidato do PSDB, Ronaldo Cezar Coelho. “Ele aumentou as subprefeituras de cinco para 19, loteando-as entre os vereadores”, diz Coelho. Para o tucano, “o excesso de concessões ao mercado imobiliário é um crime”.
Nove entre dez políticos fluminenses acham que o apoio de Sérgio Cabral a Conde foi articulado por Garotinho, dando início a uma tríplice aliança para reforçar a candidatura do governador a presidente, de Conde a governador e de Sérgio ao Senado. Os três negam, mas não muito. “É importante o Rio ter um candidato a presidente e voltar ao cenário nacional”, diz Conde. Sérgio é explícito: “Estarei sintonizado com o projeto que Garotinho desejar. Nós três temos uma relação de respeito e diálogo.” O peemedebista enaltece o perfil amistoso do prefeito. “Ele não gera conflito social, não joga zona sul contra zona norte. Humanizou o Rio, triplicou o número de creches e quadruplicou o de crianças na pré-escola.”

O cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, atribui o fato de Cesar e Conde disputarem a liderança a um novo comportamento do eleitor carioca. “Conde e Cesar, que tiveram origem na esquerda, representam uma concepção administrativa aprovada no Rio, até porque cada vez mais a eleição local se descola de problemas nacionais”, destaca, fazendo uma previsão: “Eu não estranharia se visse Garotinho, Conde e Sérgio em um só partido.” Para o diretor-presidente do Brasmarket, Ronald Kuntz, Conde se beneficia de uma prática verificada em todo o País, de concentrar obras no último ano da gestão. Já Brizola, que perdeu a liderança que tinha em abril, teria sido prejudicado pela briga com Garotinho, o mais popular governador do Sudeste.

No esforço para seduzir a esquerda, Conde vive dizendo que votou “várias vezes” em Brizola. “Eu o admiro e acho que ele perdeu uma ótima oportunidade de criar um grande partido de centro-esquerda. Tinha carisma, conhecimento, visão de federação, mas seu temperamento impediu. Uns nascem para ser líderes, outros, para ser chefes”, analisa Conde. O prefeito mantém o estilo descontraído e desarmado até quando o assunto é seu peso excessivo. Diz que subir favela “é difícil para qualquer um”, não só para gordinhos em campanha. Ele se vangloria de ter perdido 22 quilos em seis meses de regime. Tem 107 agora. “Tenho um metro e 83 centímetros e meio e queria ter 100 quilos. Eu sou gordo, mas sem aquela gordura mórbida, de balofo. Eu não sou balofo.”