A alta do dólar dos últimos três meses não estragou só os planos dos turistas que pretendiam viajar ao Exterior e o orçamento dos consumidores de produtos importados ou com matérias-primas importadas, como o trigo do nosso pãozinho de cada dia. Também o governo e muitas empresas vão ter que repensar seus projetos para este ano. Quando fez seu orçamento para 2001, o governo projetou um dólar de em média R$ 1,82 para 2001, e a expectativa do setor privado não era muito diferente. Mas, em 3 de abril, a cotação fechou em R$ 2,18 e pode chegar a R$ 2,15 no final do ano (estimativa do Unibanco Asset Management) ou R$ 2,25 (projeção do JP Morgan).

Saem ganhando os setores exportadores e aqueles cujos preços internos acompanham as cotações internacionais. Podem ganhar também empresas que competem com importados que ficaram mais caros. Correm sério risco, porém, aquelas que tiverem dívidas ou outros custos importantes em moeda estrangeira.

O impacto do dólar sobre os preços ameaça a meta de inflação de 2% a 6% fixada pelo Banco Central para 2001. O aumento dos preços medido pelo índice oficial de inflação tem girado em torno de 0,5% ao mês. Aproxima-se do limite superior da meta e ameaça rompê-lo se o câmbio continuar subindo, o que colocaria em risco a credibilidade do real. A projeção oficial já subiu de 3,9% para 4,8%.

O nervosismo gerado pelas crises da Argentina e das Bolsas americanas teve seu papel e marcou os dias de maior oscilação do dólar. Mas essas perturbações externas não teriam tal efeito se nosso mercado cambial já não estivesse fragilizado pela falta de dólares decorrente do déficit comercial (de US$ 676 milhões neste 1º trimestre, contra um saldo positivo de US$ 26 milhões de janeiro a março de 2000), da retirada de aplicações estrangeiras em Bolsas brasileiras e, e o mais importante, da recente queda do investimento estrangeiro, que desde o início do Plano Real vinha compensando a piora do balanço de pagamentos. Nos primeiros dois meses do ano, entraram US$ 2,65 bilhões em investimentos estrangeiros, contra US$ 4,16 bilhões no mesmo período do ano passado. O governo reviu a previsão de entrada de US$ 24 bilhões em 2001 para US$ 21,6 bilhões (foram US$ 30,6 bilhões no ano passado), enquanto sua expectativa para o déficit no balanço de pagamentos subia de US$ 26 bilhões para US$ 27 bilhões (foram US$ 24,6 bilhões em 2000). A diferença será paga com aumento da dívida externa ou encolhimento de nossas reservas, hoje em US$ 34,8 bilhões.

A desvalorização deveria impulsionar as exportações e brecar as importações até restaurar o equilíbrio. Na prática, não tem sido bem assim. De um lado, as barreiras comerciais dos países centrais e os problemas de nossos parceiros mais próximos, principalmente Argentina, limitam as exportações. Do outro, a abertura brasileira à globalização aumentou a dependência do País em relação a bens de capital e matérias-primas importadas de uma forma difícil de reverter, o petróleo importado continua caro e sua substituição foi dificultada pela perda da P-36.

Como uma piora do quadro da Argentina, do Japão ou dos Estados Unidos poderia agravar o desequilíbrio, a cada má notícia sobre esses riscos as empresas vulneráveis a variações cambiais (ou que buscam ganhos especulativos) compram dólares, o que contribui para novas altas. O governo tentou vender títulos cambiais para atender a essa demanda, mas a dívida nesses papéis chegou a R$ 126,5 bilhões em fevereiro e o FMI deu um basta.

Esgotada essa alternativa, o BC voltou a elevar os juros para inibir a especulação com o dólar, derrubar a demanda e fazer cair os preços não dolarizados. Isso custa caro e não só para os endividados, pois reduz o consumo e o crescimento econômico. As projeções oficiais de crescimento do PIB em 2001 foram rebaixadas de 4,5% para 4,3%; o JP Morgan baixou sua expectativa para 3,5%.

O aumento da taxa de juros em 0,5% agravou o problema ao contradizer frontalmente o discurso otimista dos meses anteriores. Soou para o mercado como uma inesperada confissão de insegurança por parte das autoridades monetárias, bem em meio à agitação resultante do pacote Cavallo e de uma súbita queda nas Bolsas americanas. A corrida por dólares redobrou e fez o câmbio subir mais 3%.

Não só cada 1% de variação cambial engorda em mais R$ 1,7 bilhão a dívida do governo indexada em dólar como o governo também vai ter de pagar mais por sua dívida em reais. Seu custo aumenta R$ 1,4 bilhão por ano a cada aumento de 0,5% na taxa de juros básica do BC (Selic) e o mercado de futuros aposta em novas altas. Com um crescimento do PIB menor que o inicialmente previsto, o governo vai arrecadar menos do que esperava e pode recorrer a novos cortes em seus programas sociais.