11/04/2001 - 10:00
Uma bactéria encontrada nas águas turvas do rio Negro, na Amazônia, pode colocar o Brasil mais perto de tratar a doença de Chagas. Mais de 160 pesquisadores, doutores e alunos de 25 universidades de Norte a Sul do Brasil, além de 65 laboratórios paulistas, concentram-se em mapear a sequência genética da Chromobacterium violaceum. Investigada pela bioquímica santista Regina Vasconcellos Antônio há mais de uma década, a bactéria tem aplicações para a saúde, o meio ambiente e a mineração. Além da propriedade antibiótica, o microorganismo gera enzimas que poderiam retardar o envelhecimento, produz um plástico biodegradável e uma substância que separa o ouro do lixo. O caráter mil e uma utilidades chamou a atenção da gaúcha Tânia Creczynski-Pasa, que sugeriu a cromobactéria para ser o primeiro organismo sequenciado num esforço nacional de pesquisa genética.
O resultado do estudo sairá em um ano, mas serão precisos outros tantos para surgirem medicamentos feitos a partir das informações genéticas. Por enquanto, a fina flor da ciência brasileira tenta decifrar o código do organismo como um imenso quebra-cabeça. Cada universidade calcula seu quinhão da bactéria e envia os dados para uma central de bioinformática chefiada pela carioca Ana Tereza de Vasconcelos, em Petrópolis. Amparado por uma verba federal de R$ 11 milhões, o projeto é comandado pelo inglês Andrew Simpson, ironicamente um dos principais expoentes da genética brasileira. Como em outros estudos genéticos, o objetivo do programa é mapear a bactéria para depois registrar patentes que possam auxiliar na produção de drogas. “A escolha do organismo levou em conta a possibilidade de gerar produtos benéficos para o País”, diz Ana Tereza.
O Brasil colocou os pés na linha de frente da genética após sequenciar o DNA da praga do amarelinho, a Xylella fastidiosa. “Nossa missão é solucionar os problemas brasileiros da agricultura e da saúde pública”, prega José Fernando Perez, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que há três anos financia projetos de sequenciamento genético. Entre as prioridades nacionais estão as culturas agrícolas estratégicas, como a cana-de-açúcar, as plantações de laranja e de cacau e as doenças típicas das regiões tropicais.
Causadora da popular barriga d´água, doença que afeta 10 milhões de brasileiros ao ano, a esquistossomose é o próximo alvo da genética nacional. O projeto deve resultar em breve numa vacina, criada em parceria com o Instituto Butantã, de São Paulo. “No futuro queremos injetar o DNA do parasita para que a célula produza os anticorpos de combate à doença”, explica o carioca Sergio Verjovski-Almeida, professor-titular de bioquímica da Universidade de São Paulo e chefe da pesquisa. O projeto está na fase inicial, deve terminar em 12 ou 18 meses, mas já existem vacinas em teste.
Planta, bactéria ou doença humana, não importa: a aplicação clínica da genética demanda tempo. “São necessários dez anos para um medicamento sair do laboratório para a farmácia”, diz Walter Gilbert, prêmio Nobel de Química de 1980 que esteve no Brasil para a primeira conferência nacional de genética, realizada em Angra dos Reis, em março. Antes disso, começam a surgir efeitos práticos. Um deles é o plantio de produtos geneticamente modificados. A começar pela cana-de-açúcar, cujo sequenciamento foi concluído, mas ainda não publicado. A cana tem genes idênticos aos do arroz, milho, soja, trigo e outros cereais. “Será possível alterar o ciclo de vida da planta, gerando frutos mais rápido e produzindo açúcar menos calórico”, exemplifica Paulo Arruda, da Universidade Estadual de Campinas. Prestes a selar uma parceria com uma produtora belga de cereais transgênicos, a Fapesp negocia o genoma da cana-de-açúcar com cautela. “Temos pouca experiência nessa área e é difícil definir quem detém a propriedade intelectual sobre cada detalhe”, diz Perez.
Por isso, é importante agora incentivar a formação de empresas nacionais de biotecnologia. Para evitar incorrer no mesmo erro da indústria brasileira de informática, que, mesmo depois de oito anos de reserva de mercado, continua dominada por produtos importados.