Bela, rica e estrela, Honey Whitlock é a típica diva de Hollywood. Não poupa sorrisos para o primeiro flash que vê espocar, sabe como ninguém agradar aos jornalistas falando mentiras e, como todas elas, nos bastidores tem chiliques, maltrata meio mundo e fala mais palavrões que moleque de rua. Honey está na caipira cidade americana de Baltimore para a estréia de seu novo trabalho Some kind of happiness. Nem bem sobe linda e ruiva no palco do principal cinema, durante uma noite beneficente, e é sequestrada por um bando de malucos contra a indústria cinematográfica. Eles a querem para protagonista de sua fita terrorista underground, cheia de assaltos, violência e libidinagem em tempo real. Os mais familiarizados já sabem que se trata de um filme do incomparável rei do cinema trash, John Waters, em outra deliciosa travessura chamada Cecil Bem Demente (Cecil B. Demented, Estados Unidos, 2000), com estréia no Rio de Janeiro e São Paulo na quinta-feira 12.

A brincadeira já começa com o título do filme. Há anos um jornalista de Baltimore, cidade natal de Waters, chamou de Cecil B. Demented o autor do super-cult Pink flamingos – no qual o falecido e imenso travesti Divine come cocô de cachorro em sequência sem cortes –, numa referência iconoclasta a Cecil B. De Mille, o mestre do cinema épico, diretor de Os dez mandamentos. Waters adorou e reservou a idéia para batizar um futuro personagem. Ele é interpretado por Stephen Dorff, que segue todas as regras de Waters para fazer o fanático que tem como religião o cinema, detesta vídeo e não pode nem ouvir falar em DVD. Há tempos John Waters devia uma fita do gênero ao público que engordou sua fama internacional de cineasta cult em sessões concorridíssimas, realizadas quase sempre à meia-noite em Nova York ou Londres. Com Pink flamingos (1972), ele ganhou o trono do underground, solidificado com Female trouble (1974), um libelo sobre a insanidade da busca da fama. Bem mais tarde, se rendeu aos encantos dos grandes estúdios e realizou Hairspray – éramos todos jovens (1988), Cry baby (1990), que revelou Johnny Depp – ambos respectivamente ambientados nas décadas de 60 e 50 – e o divertidíssimo Mamãe é de morte, com Kathleen Turner encarnando a supermãe assassina de todos que incomodassem o mínimo sua família. Os três são filmes bem mais comportados, mas ainda dentro do estilo Waters.

Em Cecil Bem Demente, ele retomou a verve atômica destruidora e encontrou em Melanie Griffith a atriz perfeita para o papel, um dos melhores da sua carreira, diga-se. Ao fazer piadas com Hollywood e o sistemão que sustenta suas megaproduções, Waters não realizou apenas um metafilme totalmente enlouquecido, cheio de referências e brincadeiras sérias, algumas delas homenagens ao cinema padrão. Determinadamente udigrudi sem ser banal, o diretor criou uma história que de tão absurda pode ser verdadeira. Afinal, como o próprio John Waters coloca, muitos caras sonham em fazer um filme. Somente os que dariam a vida por ele conseguem